“Vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo...”
Dança da vassoura – Grupo Molejo
Aparecido Raimundo de Souza
O ALFREDO PANDELÓ, motorista aqui da mansão dos Baculejos Novaes, onde eu trabalho como
jardineiro, cismou de ser uma vassoura. Isso mesmo, uma vassoura. Que loucura!
Acho que o cara pirou na batatinha. Se eu pudesse escolher ser alguma coisa de
futuro nessa vida besta que carrego desde que nasci, optaria desfrutar das
formas anatômicas de um sofá de dois lugares, ou de uma rede. Quem sabe uma
cadeira de balanço ou até mesmo uma bela e confortante cama de casal.
Pelo menos, como tal, em minha forma alcoviteira, apreciaria mais de
perto as curvas perfeitas da linda Jajá, as belas pernas da Jejé, curtiria o
calor estonteante da fogosa Jigi e, com certeza, acalmaria o cansaço de dona
Jojó, a senhora dona minha patroa, de cabelos longos e ondulantes, olhar sereno
e voz macia que, só de ver, assim de longe, me encho bastante de uma loucura
medonha e não só me abarroto dela... Me percorre o corpo da cabeça aos pés um
fogo interno que me deixa todo arrepiado.
Mas o bobo do Alfredo Pandeló, coitado, mais burro e tapado que porta de
estrebaria, resolveu assumir a personalidade de um desses utensílios feitos a
partir de filamentos colhidos de uma palmeira nativa conhecida como Attalea
funifera muito popular nos Estados de Alagoas, sul da Bahia, Espírito Santo e
Sergipe. De repente, na pele dessa planta fibrosa, passou a varrer tudo o que
encontrava pela frente. Eu disse tudo. Ora com as mãos, ora com os pés, e, o
mais espantoso e inacreditável, com o traseiro, arrastando as partes sensíveis
da buzanfa chão afora.
Nessa sandice inexplicável, ao final de algum tempo, não restou em todas
as dependências da casa nenhum cisco, nenhuma sujeira ou poeira para contar
história. Nem os tapetes da sala e do salão de jogos escaparam ao estranho
ritual. Final da tarde apareceu à velha e rabugenta dona Ziza Macuco,
arrumadeira e passadeira do vizinho morador de frente.
Veio bater um papo, como todo final de noite, antes da novela das seis,
com a Felícia, copeira, e com Gertrudes, a babá da filhinha de Jejé. Bastou
enxergar as duas funcionárias na cozinha, a estrepitosa, com sua voz de taquara
rachada berrou incontida:
- Hoje amiga acordei com o espírito de bruxa à flor da pele. E até agora
sinto que esse troço continua grudado no meu corpo. Não volto para casa sem
antes voar aqui por cima e contemplar, lá do alto, as redondezas. Felícia, por
acaso você tem alguma vassoura por ai que possa me emprestar?
- Credo em cruz amiga! Você quer uma vassoura para sair voando?
- Por que o espanto? Bruxa pra ser bruxa, precisa de uma vassoura, assim
como um médico precisa de um estetoscópio e um motorista de um veículo para
pilotar estradas país a fora. Então, sem esse apetrecho não posso ser
considerada uma bruxa completa.
- Não, amiga Felícia. Não estou tirando sarro. Aliás, nunca falei tão
sério. Estou à cata, realmente, desde que acordei. Por acaso tem por ai uma
espécime fora de uso SOBRANDO? Pode ser usada. Inclusive, não me importo, se
estiver com o cabo velho... Desde que eu consiga segurar a geringonça, montar e
sair planando pela janela...
- Gertrudes – gritou Felícia -, Chama aqui, agora, a nossa “nova
vassoura...”. Diga que é URGENTE...
A Gertrudes ficou entre a cruz e a espada. Não entendeu bulhufas. Ziza
Macuco, então... Pasma, avermelhou a
fuça, a ponto de fazer cara feia de quase zanga. Todavia, em sentido inverso, a
vassoura, perdão, o Alfredo, motorista dos Baculejos Novaes, ao tomar
conhecimento dessa conversa fora de esquadro... Caiu na real. Derrubou a ficha.
Não só a ficha, o telefone, o cartão também, de lambuja.
Para não ficar por baixo, tratou de despertar, ligeiro, da sua
insensatez. Com certeza, creio com meus botões, se imaginou em poder da velha
Ziza Macuco e, pior sendo montado atabalhoadamente por ela (uma adiposa para
criatura nenhuma botar defeito), com toda aquela banha espaçosa acoplada em seu
fino cabo longo e magro...
Tirou o time de campo. Na moral. Voltou, correndo para a realidade do
mundo dos vivos. Temendo que a sessentona passasse das palavras à ação, ou
vice-versa, se escondeu ligeiro, feito um rato acuado, passando para debaixo da
cama das irmãs Jajá e Jejé. Nessa curta viagem levou consigo, de roldão, a
pazinha de lixo, o escovão, o balde, os panos de chão e claro, os cocais de
piaçava que amarrara nos tornozelos, à imitação de uma doméstica vassoura de
palha.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Vila
Velha, no Espírito Santo. 10-12-2019
Colunas anteriores:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-