A totalidade das televisões e a quase
totalidade da imprensa “tradicional” prestam um valoroso serviço de vassalag...
perdão, de acompanhamento imparcial das fabulosas proezas dos nossos
estadistas.
Alberto Gonçalves
Estavam a pedi-las. Por um
lado, são os “media”, que tanto divulgam o extraordinário trabalho do governo
em prol da nação como, ocasionalmente, veiculam notícias que colocam em causa o
extraordinário trabalho do governo em prol da nação. Por outro lado, é o povo,
que sendo um bocadinho destrambelhado, nem sempre consegue distinguir os factos
das calúnias. Estas maçadas, que prejudicam a consolidação de uma democracia
sã, têm de ser superadas. Vai daí, nada mais natural e urgente que o anúncio,
para o início de 2020, de uma “campanha de sensibilização” que “visa a
convivência democrática entre uma comunicação social livre e uma população
formada e capaz de exigir e procurar informação séria”. Estou a citar o “Jornal
de Notícias”, que, num paradigma de rigor e patriotismo, tomou a informação oficial
à letra e transcreveu-a sem aspas, comentários ou críticas.
O anúncio da campanha coube ao
secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Propaganda, desculpem, e Media,
Nuno Artur Silva, cuja obra e dignidade estão acima de diversas suspeitas – um
homem que, desinteressadamente, já apoiava o dr. Costa nos tempos da autarquia
lisboeta não carece de provar o seu amor ao bem-estar coletivo. Do alto desse
amor, o sr. prof. dr. Artur Silva quer que as pessoas distingam o “jornalismo
profissional, com qualidades de investigação, de análise e de crítica, rigor e
isenção” daquilo “que não é informação, mas opinião em rede amplificada, ou
seja, corrente de opinião desinformada”. Ou seja, que distingam a realidade da
boataria destinada a sabotar a prosperidade que temos. Esta necessidade de
disciplinar os “media” e educar as massas é essencial a qualquer país moderno e
civilizado. A própria Venezuela não a dispensa.
Diz o sr. prof. dr. Artur
Silva, prenhe de razão, que “a opinião pública é elemento fundamental da
política e administração do país, incumbindo ao Estado defendê-la de todos os fatores
que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem
comum.”… Alto! Alto! Alto! Não liguem, que isto é da Constituição de 1933. O
que o sr. prof. dr. Artur Silva diz é que a “desinformação é uma ameaça séria
que pode afetar a credibilidade das instituições democráticas, minando a
confiança nessas instituições”. E não é?
Imagine-se, por absurdo, que
um programa televisivo (por exemplo da RTP) tencionava, dias antes das
eleições, transmitir uma reportagem sobre um governante (vamos dizer a
rapaziada do Ministério do Ambiente) que atribuiu a concessão da exploração de
um minério (talvez o lítio) avaliada em 350 milhões a uma empresa cheia de
dirigentes de um partido (o PS, sei lá) com um capital social de cêntimos e
sediada numa junta de freguesia (socialista, assim ao calhas). Semelhante peça
de desinformação sem dúvida afetaria a credibilidade das instituições
democráticas, leia-se o governo, e minaria a confiança nas mesmas, leia-se o
mesmo governo: o cidadão incauto seria levado a pensar que o ministério do
Ambiente está repleto de trafulhas, que a coisa se resume a uma marosca das
grandes e que, quem sabe, o PS não é o modelo de honestidade que nos habituámos
a considerar. Num caso destes, continuamos a imaginar, teria de haver uma diretora
de informação com coragem para suspender o dito programa e, na impossibilidade
de o trucidar pelo fogo, chutá-lo para uma data inócua.
Salvo casos hipotéticos como o
acima referido, claro que o problema não é a escassez de informação rigorosa. A
totalidade das televisões e a quase totalidade da imprensa “tradicional”
prestam um valoroso serviço de vassalag…, perdão, de acompanhamento imparcial
das fabulosas proezas dos nossos estadistas. O problema é que ninguém, com
idade inferior ou Q.I. superior a 85, consome tais produtos, donde a crise dos
“media”, que afeta até a indispensável Lusa de Nicolau do Laço e aflige o prof.
Marcelo.
O povo educa-se, a bem ou a
mal. Normalmente é a mal, mas para o seu bem.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
14-12-2019
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