O presidente Jair Bolsonaro e
os jornalistas vivem em clima de guerra. Os embates, tóxicos e intransigentes,
não têm a cara do Brasil. A perspectiva de quase dois anos de governo permite
ensaiar um balanço das perdas e ganhos de um conflito desagradável e nada
produtivo.
As últimas pesquisas mostram
que o presidente da República, armado de seu estilo agressivo e tom de conversa
mesa de bar, está levando vantagem nas bolas divididas e fazendo mais gols.
Bolsonaro ataca muito. Mas também apanha para valer. A percepção da sociedade
refletida nas pesquisas é a de que Jair Bolsonaro, mesmo com o desgaste da
“rachadinha”, está mais para vítima do que para vilão.
O grande equívoco da imprensa
é deixar de lado a informação e assumir certa postura de militância. Os
eventuais desvios do governo não se combatem com o enviesamento das coberturas,
mas com a força objetiva dos fatos e de uma apuração bem conduzida.
Vamos a alguns exemplos. Eles
ajudam a iluminar a argumentação deste artigo.
Não faz muito tempo, uma
apresentadora de televisão afirmou, no ar, ao noticiar um evento do governo
chamado “Vencendo a Covid-19”, que “nem Bolsonaro nem as autoridades presentes
prestaram solidariedade às vítimas”. Mas o distinto público pôde ver e ouvir
que a médica Raissa Oliveira Azevedo de Melo Soares, uma das participantes da
cerimônia, pediu um minuto de silêncio em homenagem aos 115 mil mortos na
epidemia – e que todos os presentes atenderam ao seu apelo. Negar um fato
comprovado com o som e a imagem é um tiro no pé, um absurdo.
Reproduzo recente manchete de
jornal: “Bolsonaro monta roteiro para entregar obras de Lula e Dilma”. Pois
bem, amigo leitor, a descontinuidade das obras de infraestrutura dos
antecessores, com imensas consequências econômicas e perda de eficiência, tem
sido objeto de recorrente crítica da imprensa e da sociedade. As inaugurações
de Bolsonaro, independentemente do eventual ganho eleitoral, deveriam ser
evitadas? É óbvio que não. Na verdade, o presidente está fazendo o que nós
sempre cobramos: dar continuidade às obras de administrações anteriores.
O erro da imprensa, que a
afasta das suas audiências, está em atribuir ao presidente coisas que ele não
fez. É óbvio que nós, jornalistas, temos o dever ético de iluminar o lado
escuro do governo. Mas denúncias, necessárias e pertinentes, precisam estar
apoiadas na objetividade dos fatos e no verdadeiro interesse público.
Governo e imprensa não podem
ter uma relação promíscua. É salutar certa tensão entre as instituições. Mas
precisam conversar. São peças essenciais da estrutura democrática. Aguardo – já
o disse outras vezes – que Bolsonaro desça do palanque e assuma o papel de
presidente de todos os brasileiros. Espero também que nós, jornalistas,
deponhamos as armas do engajamento e façamos jornalismo.
Ao longo deste ano, alguns
jornalistas da grande mídia, na cobertura de política e do governo, e em nome
de suposta independência, têm enveredado pelo que eu chamaria de jornalismo
militante. E isso não é legal. Não fortalece a credibilidade e incomoda crescentemente
seus próprios leitores. Consumidores de jornais mostram cansaço com o excesso
de negativismo de nossas pautas. Trata-se de um fato percebido nas redes
sociais.
Na verdade, à semelhança do
que aconteceu no segundo semestre de 2018, há um crescente distanciamento entre
o que veem e reportam e aquilo que se consolida paulatinamente como fatos e/ou
percepções de suas próprias audiências, posto que a estas foi dado o poder de
fazer suas próprias reflexões e até mesmo apurações, facilitadas e potencializadas
pela internet.
É necessário reconhecer, para
o bem e para o mal, que perdemos a hegemonia da informação. Impõe-se, por
óbvio, um jornalismo menos anti e mais propositivo. O que não significa, nem de
longe, perder a necessária independência e senso crítico. A fiscalização dos
governos e das instituições é parte essencial da atividade jornalística. A
democracia se fortalece com uma imprensa crítica, mas isenta.
Chegou a hora do jornalismo
propositivo.
Título e Texto: Carlos
Alberto Di Franco, Gazeta do Povo, 7-9-2020
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