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Antonio Gramsci |
Não tenho dúvidas de que Karl Marx é um dos filósofos mais vivos nos nossos dias, pelo menos na realidade cultural brasileira. Podemos não viver num regime comunista, mas ainda assim não é difícil identificar a influência velada que o marxismo exerce nos veículos de comunicação, nas ciências humanas e, até mesmo, na exegese das Escrituras Sagradas, ou seja, sua influência viva no campo ideológico. Destarte, eis o motivo pelo qual eu escolhi o teórico marxista Antonio Gramsci para analisar sua pedagogia (este artigo faz parte de um trabalho para a disciplina Fundamentos da Educação). Gramsci foi um grande responsável pela difusão do marxismo no campo ideológico, como já dissemos acima, e isso inclui a disciplina da Pedagogia. Portanto, nada mais perninente é à nossa realidade do que a análise do pensamento gramsciano.
Nascido no final do século XIX, na Sardenha, Antonio Gramsci foi um dos grandes teóricos da Esquerda. Foi jornalista, escritor, teórico e político italiano e um dos fundadores do Partido Comunista Italiano. Tendo sido um bom estudante, Gramsci venceu um prêmio que lhe permitiu estudar literatura na Universidade de Turim. A cidade de Turim, à época, passava por um rápido processo de industrialização, com as fábricas da Fiat e Lancia recrutando trabalhadores de várias regiões da Itália. Os sindicatos se fortaleceram e começaram a surgir conflitos sociais-trabalhistas. Gramsci frequentou círculos comunistas e associou-se com imigrantes sardos.
Sua situação financeira, no entanto, não era boa. As dificuldades materiais moldaram sua visão do mundo e tiveram grande peso na sua decisão de filiar-se ao Partido Socialista Italiano. Esta é uma característica comum aos mais ávidos comunistas: um passado menos favorecido.
Por ser um grande opositor do fascismo de Benito Mussolini, Gramsci foi preso em 1926 e assim permaneceu até 1934 quando foi liberto por problemas de saúde. Ao proferir sua sentença o juiz disse: “Temos que impedir esse cérebro de trabalhar por uns vinte anos.” Veio a falecer pouco tempo depois. Foi nesse período encarcerado que Gramsci escreveu sua principal obra Cadernos do Cárcere. Vamos ver agora dois de seus principais conceitos e, subsequentemente, sua pedagogia.
Hegemonia
Antes de adentrarmos na pedagogia de Antonio Gramsci, há dois conceitos que precisam ser elucidados por serem os pressupostos de suas teorias pedagógicas. O primeiro deles é o conceito de hegemonia. O conceito de hegemonia alçou Gramsci ao panteão teórico das esquerdas. Segundo o autor, por hegemonia entende-se o movimento articulado - o bloco histórico formado pela estrutura e superestrutura - na direção das disputas politicas. A superestrutura compreende a estrutura jurídica (Direito e Estado) e ideológica (moral, política, religião...)
O conceito parece exercer um duplo papel na concepção gramsciana: (1) denunciar os instrumentos empregados pela "hegemonia burguesa" e (2) estabelecer uma estratégia eficaz para o triunfo das classes trabalhadoras.
Na leitura proposta por Gramsci, a sociedade é um organismo complexo e relacional, que não pode ser totalmente explicado em termos de um determinismo econômico mecanicista, como propusera o marxismo ortodoxo. Ele não negava a mais-valia, a luta de classes, o materialismo histórico, o fim do "Estado burguês", mas tentava mostrar o impacto poderoso de fatores morais, culturais e ideológicos nos processos sociais. Uma hegemonia, em suma, não se concretiza "apenas" com a posse dos meios de produção; a luta se dá também no campo ideológico. E aqui eu penso que está a grande contribuição de Gramsci à Esquerda. A luta não se dá apenas na tomada do Estado, na implantação da ditadura do proletariado, mas se dá também, ou prioritariamente, no campo ideológico, na subersão das ideias que, para Gramsci, são intrinsecamente associadas à burguesia e que, portanto, precisam ser extirpadas para a implantação da revolução. Gramsci, portanto, procede a uma subversão profunda e sutil do status quo.
Ao contrário da maioria dos teóricos que se dedicaram à interpretação e à continuidade do trabalho intelectual do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), que concentraram suas análises nas relações entre política e economia, Gramsci deteve-se particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos de transformação histórica. Suas ideias sobre educação surgem desse contexto.
Gramsci, que credita a Lenin os princípios gerais da hegemonia, deve ter lido com atenção a seguinte passagem de A Ideologia Alemã, de Marx e Engels: "a classe que dispõe dos meios de produção material dispõe também dos meios de produção intelectual".
Portanto, o poder das classes dominantes sobre o proletariado não reside somente no controle dos aparatos repressivos do Estado, mas na hegemonia cultural que as classes dominantes exercem sobre as dominadas, através do controle do sistema educacional, das instituições religiosas e dos meios de comunicação. Diz Olavo de Carvalho: "Para Gramsci, o conceito de “verdade” é burguês. Ele traz ao Marxismo o pragmatismo de seu mestre Antonio Labriola. Nesta, "verdade" não é o que corresponde a um estado objetivo, mas o que pode ter aplicação útil e eficaz numa situação dada. Enxertando o pragmatismo no marxismo, Labriola e Gramsci propunham que se jogasse no lixo o conceito de verdade: na nova cosmovisão, toda atividade intelectual não deveria buscar mais o conhecimento objetivo, mas sim a mera "adequação" das idéias a um determinado estado da luta social. Nesta nova cosmovisão, não haveria lugar para a distinção - burguesa, segundo Gramsci - entre verdade e mentira. Uma teoria, por exemplo, não se aceitaria por ser verdadeira, nem se rejeitaria por falsa, mas dela só se exigiria uma única e decisiva coisa: que fosse "expressiva" do seu momento histórico, e principalmente das aspirações da massa revolucionária. Dito de modo mais claro: Gramsci exige que toda atividade cultural e científica se reduza à mera propaganda política, mais ou menos disfarçada"
Gramsci e o Intelectual Orgânico.
Gramsci não entende o homem como um produto natural, mas como produto histórico; como produto de específicas relações sociais e, ao mesmo tempo, como indivíduo dotado de singularidade insuprimível.
Considerando que o homem é sujeito de sua história, Gramsci propõe a difusão da cultura humanista e filosófica no âmbito da classe operária e dos "subalternos" de um modo geral; a formação do hábito de pesquisa, método e disciplina nos estudos; e a valorização da vontade moral.
Se o homem é sujeito da história, cabe a ele transformá-la subvertendo os valores tradicionais, e isso não será feito sem o intelectual. Cabe ao intelectual dar sentido à hegemonia do grupo social dominante, daí a importância de formar intelectuais com valores trabalhistas para que, então, a revolução seja bem-sucedida. A classe trabalhadora deveria produzir seus próprios intelectuais.
Gramsci difere entre dois tipos de intelectuais: (1) O intelectual orgânico, vinculado a uma "consciência de classe"; e (2) o intelectual tradicional, vinculado à anterior constituição histórica. Na briga pela hegemonia, os intelectuais orgânicos buscam absorver os tradicionais num processo em que o conhecimento se subordina à ação social.
A missão de Gramsci é catequizar outros intelectuais, que catequizarão lideranças de sindicatos e movimentos sociais, e estes haverão de mesclar o saber técnico e ideológico a sua práxis já testada e maturada no cotidiano social e do trabalho. Unidos na subversão dos valores tradicionais e do senso-comum. Gramsci é de uma sutileza vil.
Não é por acaso, portanto, que as universidades brasileiras estão repletas de esquerdistas militantes. A cosmovisão marxista está presente explicitamente na filosofia e demais ciências humanas e, até mesmo, de forma mais sutil na exegese bíblica. Há quem aponte, como fruto disso, para a "esquerdização" dos departamentos de informação, conhecimento e inteligência.
Gramsci e a Escola:
Para Gramsci a escola tinha um importante papel na análise da sociedade moderna. A escola era só mais um sistema de hegemonia ideológica onde os indivíduos eram direcionados a manter o status quo. A escola para Gramsci "deveria levar a criança até o ponto de escolha da profissão, formando-a durante esse tempo como uma pessoa capaz de pensar, estudar e governar - ou controlar aqueles que governam" (Gramsci 1971 p40)
Esse tipo de escola só poderia alcançar algum sucesso com a participação ativa dos alunos e, para que isso acontecesse, a escola deveria estar relacionada à vida cotidiana. O aprendiz deve ser ativo e não um "recipiente mecânico e passivo". O ensino deve educar a partir da realidade viva do trabalhador.
Gramsci defende uma escola não-técnica, como era nos tempos de Mussolini, mas ele defende o que ele chama de "ensino desinteressado", ou seja, que interessa não apenas ao indivíduo, mas à coletividade. A educação deveria formar não só técnicos, mas intelectuais.
Na escola prevista por Gramsci, as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. A construção de uma visão de mundo que desse acesso à condição de cidadão teria a finalidade inicial de substituir o que Gramsci chama de senso comum - conceitos desagregados, vindos de fora e impregnados de equívocos decorrentes da religião e do folclore. Com o termo folclore, o pensador designa tradições que perderam o significado, mas continuam se perpetuando. Para que o aluno adquira criticidade, Gramsci defende para os primeiros anos de escola um currículo que lhe apresente noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e seus direitos e deveres de cidadão. Foi Gramsci quem trouxe à pedagogia o conceito de formação da cidadania como um dos objetivos da escola.
Tudo isso marcou sua indispensável contribuição à área educacional (formal e informal). Gramsci chamou a atenção da escola, para que a mesma "não hipotecasse o futuro dos alunos; nem obrigasse suas vontades, inteligências, consciências e informações a se moverem na bitola de um trem com estação marcada", e sempre foi contra o "abstratismo didático e doutrinário". Almejava a formação "onilateral" do homem (integral, técnica e política). Seu método de ensino para o 2.o grau e Universidade, consistia "na investigação, no esforço espontâneo e autônomo do discente, e no qual o professor exerce apenas uma função de guia amigável".
Termino com uma citação de Olavo de Carvalho: “Como o que interessa [para Gramsci] não é tanto a convicção política expressa, mas o fundo inconsciente do "senso comum", Gramsci está menos interessado em persuasão racional do que em influência psicológica, em agir sobre a imaginação e o sentimento. Daí sua ênfase na educação primária. Seja para formar os futuros "intelectuais orgânicos", seja simplesmente para predispor o povo aos sentimentos desejados, é muito importante que a influência comunista atinja sua clientela quando seus cérebros ainda estão tenros e incapazes de resistência crítica.“
Referências Bibliográficas*:
http://www.infed.org/thinkers/et-gram.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u379.jhtm
http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/antonio-gramsci-307895.shtml
Revista Filosofia Conhecimento Prático N.:19
http://www.olavodecarvalho.org/livros/negramsci.htm
*Pouco do que foi escrito é fruto de minha reflexão. Há parágrafos inteiros que são puro CTRL+C e CTRL+V das fontes. Meu único mérito é (tentar) organizar as ideias.
Vitor Pereira, no blogue "Despertai, Bereanos!"
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