quinta-feira, 5 de maio de 2011

Carta de uma mulher (esposa de aposentado Aerus) à Senhora Dilma

Qual o significado do tempo?
Que valor tem o tempo?
Como dimensionar o tempo?
Como entender o tempo?
Abraçar o tempo?
Como ganhar tempo?
Quanto tempo eu tenho?
O que eu faço com o tempo que me resta?

Prezada Senhora Dilma:
Escrevo como autoridade máxima que uma nação pode ter na condução de sua história. Escrevo como mãe, esposa, avó, duas vezes mãe. A senhora sabe a que me refiro. Formamos o eixo central numa sociedade, organismo vivo que se pretenda civilizado. Formamos a família, o embrião, a gênese, os primeiros passos, os seguintes, os valores essenciais. Temos, sim, autoridade máxima e igual responsabilidade na construção do que possa vir a ser a estatura de uma nação.  
Acompanhei, recentemente, o passo firme de uma mulher subindo a rampa da história, impregnada de alma, energia, carregada de coragem, determinação em fazer e vontade de acertar.
Sim, mulheres também governam. Mas, acima de tudo e de todos, mulheres conduzem. E essa é a verdadeira liderança catalisadora. É inspiração disfarçada de poder. Inspiração que guia, movimenta, faz e gera mudança.
E é por isso que me encorajo a lhe escrever. A provocação maior a que um ser humano pode se submeter é chamar para si a responsabilidade na constituição moral de outro ser humano.
Senhora, já cheguei no ponto da vida em que se tem sabedoria pra saber a diferença.

DEUS concede-me a serenidade
Para aceitar as coisas que não posso mudar;
A coragem para mudar as coisas que posso;
E a sabedoria para saber a diferença.
Reihold  Niebuhr

Em todos os papéis da minha vida, tudo que aprendi é tudo o que ensinei: minha filha, seja justa, não trapaceia, mantenha o gabarito, não traia, não minta, roubar é feio, ajuda o próximo, respeito é bom, trabalha, trabalha duro, lealdade é importante, integridade indispensável, força é o que te move, fé te preserva, caráter te alimenta, verdade é tudo, perseverança é o único segredo, honestidade é do que tu és feita, seja do bem, tenha amigos, respeita os mais velhos, seja boa moça, preserva teus valores, cuidado com a auto-estima, acredita na vida, nunca, nunca, jamais perca a esperança.
E assim fui fazendo o meu caminho, dando meus tropeços, acertando, errando, tentando de novo, caminhando um pouco a cada dia.
Aqui, do alto da minha sabedoria, já aprendi o quanto a vida pode ser justa e o quanto pode ser injusta.
Se alguém se atrever a refletir e medir justiças e injustiças, não sei, tenho a impressão que fica com o seu próprio quinhão. Eu fico com o meu. Mas não me entrego.
Sou esposa de funcionário da ex-Varig, aposentado há mais de 20 anos. Há 6 anos atrás, foi nos imputada uma agonia que acabou por sabotar nossa melhor idade. Perdemos, de súbito, nossa renda advinda do Fundo AERUS de Previdência Privada da extinta Varig. Vivemos 50 anos de uma vida de trabalho e parcimônia. Fruto de princípios familiares de prudência, cautela, responsabilidade e planejamento.
Tivemos nossas vicissitudes. Mas tínhamos um norte. 
Senhora, sou filha, sou mãe, mulher, confidente, avó, amiga, sou aquela menina que aprendeu a ser boa moça, apenas um pouquinho mais curtida pelos anos vividos.
É verdade: a juventude se foi, mas a esperança não se vai, não tem jeito.
Não quero nada que não me pertença: um pouquinho de paz somente, na minha velhice, minha e de meu marido. Paz para a qual contribuímos por uma vida inteira de trabalho. Pelo
direito de gozá-la.
Nossas aspirações vão até ali, logo ali, bem pertinho. Chamamo-nas de dignidade. É isso: dignidade. Também aprendi isso quando menina. E ensinei dignidade aos meus filhos. Não me arrependo por nada, nada mesmo. Faria tudo igualzinho, mais uma vez. É a dignidade deles que, hoje, nos mantém de alma em pé.
Quanto tempo eu tenho, afinal?
O que eu faço com o tempo que me resta?
Continuar sendo mãe? Esposa? Amiga? Confidente? Sendo avó? Onde posso me reencontrar com a minha dignidade? E me rever com o olhar firme, a alma lavada e o coração em paz? 
Não quero muito, não peço muito. Nunca quis, nunca pedi.
Peço apenas que compreendas: esse cipoal a que fomos todos submetidos traz mais que infortúnio. É deletério, sim, porque traz descrença. Porque desbota o muito da fé que sempre pautou a nossa vida em família.
Amo a minha vida, amo o que fiz com a minha vida.
Como qualquer mãe e avó, em qualquer canto deste planeta, adoro domingos. O dia em que a turma se reúne em torno da mesa, dia de torcer pelo Grêmio, dia de criança correndo, de preparar aquele doce especial que só a vó sabe preparar e que faz todo mundo esquecer a balança. Dia de ser feliz.
Amo a minha vida, assim, do jeito que ela é: os almoços solitários maravilhosos a dois, eu e meu companheiro amigo de uma vida inteira, as minhas caminhadas, as eternas e sempre as mesmas broncas dele, a hora da minha novela, o café da noite, os noticiários intermináveis, o pijama listradinho já furado que ele não larga nem para lavar, amo muito a minha vida. Ela foi feita aqui. Assim, desse jeito. Missão cumprida, filhos criados, netos em plena criação. Só quero seguir assim, desse jeito, adiante nos meus 71 e nos 81 de meu marido, ambos de mãos dadas e cabeças erguidas, felizes porque estamos vivos.
A lassidão vai se chegando de mansinho, vai se transformando em letargia. Aos 70, 80 nem sempre encontramos as forças necessárias.
Com todo o respeito, conheço a densidade de seus pensamentos, crenças e lutas. Conheço a sua verve. Conheço os preceitos que guiam seus atos. A Senhora tem uma conduta inexorável para governar e, certamente, a tem para fazer valer o justo.
Em nome de todas as esposas de funcionários aposentados da extinta Varig, deixo aqui um pedido de ajuda: somente a Senhora – pela condição de poder associada aos traços de caráter e personalidade - pode suscitar o debate, a prevalência da verdade, a agilidade dos demais Poderes, a vitória do que é justo e de direito.
Como disse, a juventude se foi para todas nós, mas a esperança não morre, nem mesmo envelhece.
Construí a minha vida assim: com a fé de uma pessoa comum. Que aprendeu o valor de não desistir.
Foi essa a energia que nos trouxe até aqui, eu e meu marido. Agora, diante de nossos 70, 80 anos, abrimos os olhos todas as manhãs e nos perguntamos:
Quanto tempo temos, afinal?
O que fazemos com o tempo que nos resta?
Quero poder olhar novamente a vida nos olhos.
Quero poder olhar nos olhos de meus filhos e não ver sofrimento nem dor.
A Senhora é mãe, é avó, compreende o que digo.
Não quero viagens, sapato novo, bolsa da moda, vestido bonito. Quero voltar a ver um sorriso aberto e um brilho intenso nos olhos daqueles que me são realmente caros: meu marido, meus filhos e meus netos.
Somos muito unidos. Essa é a nossa grande força. E nossa grande dor.
Como governante hoje e nascida mulher, a Senhora aprendeu, desde pequenininha, poderes que jamais serão propriedades de um homem: o de inspirar, guiar e modificar naturalmente, intuitivamente, suavemente, sem perder o pulso, sem perder o foco na verdade e na justiça.
Novamente, em nome de todo o grupo de esposas, temos pressa.
Embora ainda nos restem serenidade e coragem, temos pressa.
Sabemos, confiamos que tudo pode mudar com relação aos aposentados pelo Fundo de Pensão AERUS da Varig.
Contudo, há que ser em tempo. Seis anos já se passaram, seis anos de agonia que acabou por levar já mais de 20% do grupo de aposentados, alguns dos quais tendo tirado a própria vida.
Senhora, nosso processo está na 14ª Vara Federal de Brasília aguardando a sentença da Juíza.
Com fé, apreço e respeito assinamos esta carta pedindo, por favor, um novo olhar sobre este triste problema, uma nova esperança e a sua ajuda.
Agradecemos sua atenção e subscrevemo-nos, cordialmente.
Grupo de senhoras aposentadas e esposas de aposentados da extinta Varig

Relacionados:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-