sexta-feira, 9 de março de 2012

Cavaco diz que “falta de lealdade” de Sócrates fica para a história

Rita Tavares
Presidente conta bastidores da crise política de 2011 no dia em que comemora um ano do segundo mandato


José Sócrates nunca soube lidar com a perda da maioria absoluta, teve uma “acção política obstinada”, ignorou de “forma deliberada” os avisos, escondeu a realidade da crise económica atrás de debates sobre “temas fracturantes”, não mostrou “genuíno interesse” em conseguir uma base política estável para cumprir o segundo mandato no governo e foi desleal com o Presidente da República. Difícil de acreditar que esta descrição possa vir de Cavaco Silva, mas (em síntese) é mesmo assim.
Tudo isto consta no prefácio do livro “Roteiros VI” que vem hoje a público e com o qual Cavaco Silva quis assinalar o primeiro ano do seu último mandato em Belém. No texto, longo e detalhado, o Presidente da República abre o livro sobre os bastidores da crise política de há um ano e coloca Sócrates como o principal responsável pelo desenrolar dos acontecimentos. O “destino do governo minoritário”, como lhe chama Cavaco, foi ditado logo no seu primeiro dia.(Íntegra do prefácio aqui)

DESTINO TRAÇADO DE 2009
Em Outubro deste ano, depois das legislativas, Cavaco Silva conta agora que a sua acção foi comedida – não foi “além do razoável” – na procura de um acordo político que ultrapassasse as dificuldades de um governo minoritário. Motivo? A oposição não queria – e o PS “não manifestou interesse genuíno”, diz Cavaco Silva apesar de Sócrates ter promovido, na altura, encontros em São Bento com todas as forças políticas. Sobre o executivo que saiu das eleições, o Presidente considera que “revelava grande dificuldade em adaptar-se à situação decorrente da maioria absoluta”.
E na altura, Sócrates era um grande entrave a qualquer entendimento. É o próprio Presidente que frisa o “ressentimento” que ouvia entre a oposição face ao PS “sobretudo ao seu líder”. Apesar de não ter tido essa experiência quando esteve no governo, Cavaco Silva diz que depois de uma maioria absoluta as dificuldades de um governo minoritário são “potenciadas”. A propósito, diz, aconselhou a José Sócrates “humildade democrática”. Não foi ouvido.

OS AVISOS DE 2010
“Múltiplas chamadas de atenção” transmitidas “em privado” (nas reuniões semanais) ao primeiro-ministro, “chegando mesmo ao limite da terminologia que um Presidente pode utilizar” não chegaram, entende Cavaco Silva, para travar uma “forma obstinada de acção política”. É assim que acaba por descrever a acção governativa que o Presidente diz ter ignorado os sinais de alerta que foi dando ao longo de 2010. Lembra que começou no primeiro dia desse ano, quando falou no risco de uma “situação explosiva”, e seguiu com intervenções cada vez mais intensas. Por essa altura, “preferiu desviar-se as atenções dos portugueses para polémicas e controvérsias, abrindo “questões fracturantes” que tinham como propósito marcar a agenda política e mediática e, assim, iludir os cidadãos”. Cavaco Silva não atribui directamente, mas nessa altura o PS aprovava na Assembleia da República a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Mas foi no início de 2011, depois de uma intervenção do governador do Banco de Portugal sobre a insustentabilidade das trajectórias das dívidas pública e externa, que o Presidente teve a “prova definitiva”. Das duas uma: ou a classe política “não estava plenamente consciente da gravidade da situação” ou “o que era pior, ignorava-a de forma deliberada”.

A “FALTA DE LEALDADE” EM 2011
Se no Orçamento do Estado para 2001 o Presidente não teve queixas sobre a actuação do governo, o mesmo não se passou sobre o PEC IV que ditou a queda do executivo. Na altura foi noticiado que o executivo não informara o Presidente sobre as alterações ao programa. Mas Cavaco Silva nunca falou disso. Até agora. No prefácio do seu novo livro diz com clareza: “Tratou-se de uma falta de lealdade institucional que ficará registada na história da nossa democracia”. E diz mesmo que o episódio marcou o princípio do fim do governo de Sócrates.
Para demonstrar esta teoria, Cavaco Silva recorda as negociações para o Orçamento do Estado de 2011: “Foi-me possível durante dois meses acompanhar de perto as questões políticas e financeiras”. O Orçamento acabou aprovado apesar da maioria relativa socialista: “Conseguiu evitar-se a ocorrência de uma crise política”. Já no PEC IV, a postura do governo mudou, nota o Presidente respondendo a quem o criticou por não ter actuado para evitar a crise. A esses diz mesmo que simularam “não ver que o comportamento do governo em relação ao Presidente da República, no caso do Orçamento para 2011 e no caso do PECIV, eram diametralmente diferentes.

AJUDA TARDIA
No “ponto de hora”, que diz ter sido o do governo, em não pedir ajuda externa, Cavaco Silva faz questão de frisar um episódio concreto: o governo só agiu depois de uma entrevista do ministro das Finanças de então. Nessa tarde Teixeira dos Santos adiantou-se e, ao “Jornal de Negócios” admitiu que o país devia recorrer a esses mecanismos de financiamento disponíveis no quadro europeu. “O facto de, depois da demissão do primeiro-ministro, se ter começado a viver um ambiente de pré-campanha eleitoral, certamente contribuiu para o atraso no pedido de auxílio”, diz.

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