Revelados critérios de gestão
Alexandre Martins
Pablo Picasso |
Feridas profundas no corpo? “Like”. Cabeças e membros esmagados? “Like”. Imagens de mulheres a amamentar
os filhos com os mamilos à mostra? “Nem
pensar”. Se tivéssemos de resumir os critérios de publicação de conteúdos
definidos pelo Facebook, seria mais ou menos isto: a violência explícita é
tolerada, mas o sexo “it’s complicated”.
Antes de mais, a primeira
surpresa: não, o Facebook não tem um departamento situado num escritório
luxuoso, onde um grupo de pessoas altamente qualificadas e bem pagas se dedicam
a seleccionar o que os utilizadores podem ou não publicar nos seus perfis. Quem
o diz é Amine Derkaoui, um jovem marroquino de 21 anos, que contou a história
ao site norte-americano Gawker, uma espécie de blogue dedicado a notícias sobre
media e celebridades.
Esta é a primeira vez que são revelados os critérios em que os profissionais subcontratados pelo Facebook se
baseiam para filtrar os comentários e fotografias dos utilizadores.
“É humilhante. Estão a
explorar o Terceiro Mundo”, queixa-se Derkaoui, que diz ter passado uma semana
a receber formação numa empresa de “outsourcing” para editar o conteúdo
publicado no Facebook. Para aprender a desempenhar esta função numa rede social
com mais de 800 milhões de utilizadores, Amine Derkaoui recebeu um dólar por hora
(75 cêntimos de euro). A formação foi dada pela empresa oDesk, com sede na
Califórnia, que presta serviços de moderação de conteúdos para gigantes como o
Facebook e o Google. A sede da empresa é nos Estados Unidos, mas os candidatos
a gestores de comentários e fotografias que milhões de pessoas em todo o mundo
partilham na Internet não precisam de sair das suas casas, onde quer que elas
se situem. No caso do Facebook, escreve o site Gawker, situam-se em países como
Marrocos, Turquia, Filipinas, México e Índia e rendem a jovens como Derkaoui um
dólar por hora, em turnos de quatro horas de trabalho, mais comissões. Na
melhor das hipóteses, um máximo de quatro dólares por hora.
Pouco se sabia sobre todo o
processo de gestão do conteúdo partilhado no Facebook, mas as declarações de
Amine Derkaoui levaram a empresa de Mark Zuckerberg a emitir um comunicado
sobre o assunto: “Num esforço para filtrar com rapidez e eficiência os milhões
de denúncias que recebemos todos os dias, achámos necessário contratar empresas
externas para classificarem uma pequena percentagem dessas denúncias. Estas
empresas são submetidas a rigorosos controlos de qualidade e foi implementado
um conjunto de salvaguardas para proteger os dados dos utilizadores do nosso
serviço”.
O facto é que a formação de
Amine Zerkaoui não acabou da melhor forma para o Facebook. O jovem marroquino
trabalha agora como gestor de conteúdos na empresa Zenoradio, com sede em Nova
Iorque, e trouxe consigo o até agora secreto documento em que a rede social define
o que deve ou não ser autorizado nos perfis dos seus utilizadores.
De todos os gestores de
conteúdo partilhado no Facebook formados pela empresa oDesk com que o site
Gawker falou, apenas Zerkaoui se queixou do baixo salário, mas muitos outros
dizem que a experiência é como “trabalhar num esgoto, em que é preciso limpar
toda a porcaria do mundo”.
Enquanto alguns dos
moderadores de comentários e fotografias partilhados no Facebook convivem mal
com o seu trabalho, outros acabam simplesmente por desistir. Um deles não ficou
no posto mais do que três semanas: “Pedofilia, necrofilia, decapitações,
suicídios. Despedi-me porque dou valor à minha sanidade mental”, cita o Gawker.
Mas não terá sido por falta de aviso prévio. “Eles disseram antes de me terem contratado
que este trabalho não é para pessoas facilmente impressionáveis. Em último
caso, acho que a culpa é minha por não ter compreendido que iria ser assim tão
perturbador”. Há também muitos exemplos de racismo: “O KKK (Ku Klux Klan)
aparece por todos os lados”.
A principal questão parece ser
a arbitrariedade na decisão do que deve ou não ser partilhado no Facebook, que
resulta de uma selecção feita por jovens recrutados em países pobres, com
salários de um dólar por hora. Para tentar limitar essa arbitrariedade, o
Facebook definiu um conjunto de regras, as tais que foram agora reveladas por
Amine Zerkaoui.
E o que é que o Facebook não
quer ver nos murais dos seus utilizadores?
- “Qualquer actividade sexual
evidente, mesmo que as partes íntimas estejam tapadas por mãos, peças de
vestuário ou outros objectos. Desenhos animados e arte incluídos”;
- “Exposição de ’partes
íntimas’, incluindo mamilos femininos e traseiros; em relação os mamilos
masculinos, não há problema”;
- “Mães a amamentar sem
estarem vestidas”;
E o que é que o Facebook não
se importa de ver nos murais dos seus utilizadores?
- “Imagens de cabeças
esmagadas, membros, etc. podem ser publicadas, desde que não sejam mostradas
entranhas”;
- Feridas profundas no corpo
podem ser publicadas; sangue em excesso pode ser publicado”.
As orientações para a gestão
de comentários e imagens no Facebook não se resumem a conteúdos de cariz sexual
ou violento e são bastante apertadas em relação a comentários de incitamento ao
ódio ou racismo, por exemplo, podendo ser consultadas aqui.
No comunicado enviado pelo
Facebook ao site Gawker lê-se ainda que a empresa não divulga os dados pessoais
dos utilizadores que vêem os seus comentários ou fotografias removidos e
garante que “todas as decisões tomadas por empresas externas são sujeitas a auditorias
muito minuciosas”.
Título e Texto: Alexandre
Martins, Público, 02-03-2012
Edição: JP
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