Carlos Lúcio Gontijo
Que me desculpem os que
almejam morrer em plena forma e aparentemente saudáveis. Perdoem-me se insisto
em recusar o conselho de medir e pesar, dolorosa e obsessivamente, calorias à
mesa, onde me permito guiar apenas pelo desejo e o encantamento dos olhos do
estômago. Não tenho a menor dúvida de que, se o nutricionista (profissional
inegavelmente indispensável em restaurantes, hospitais e toda a cadeia da
indústria alimentícia) tivesse surgido em concomitância com a criação do bicho
homem, a raça humana não teria sobrevivido. Afinal, ai de nós se não fosse a
carne vermelha!
A vida é dura e cercada de
imprevistos e, como Cristo nos ensinou, é preciso amar ao próximo, não por
questão de cunho religioso, mas sobretudo em prol de nossa sobrevivência. A
amizade é o melhor elixir da vida e merece ser constantemente festejada com o
milagre da transformação da água em vinho.
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Oscar Niemeyer |
Estou completamente fora dos
preceitos indicados pelas modernas cartilhas que colocam a saúde como patamar a
ser alcançado com absoluta economia de vida, que reconhecidamente começa a se
perder desde o nascimento, independentemente de você aproveitá-la ou não. Desde
o dia em que assisti à morte de cidadão com idade entre 40 e 45 anos, que
corria pela Avenida João César de Oliveira, em Contagem/MG, em uma manhã de
sábado ensolarado, eu troco de canal de televisão sempre que uma jovem
nutricionista de silhueta bem magra, com leveza de folha de alface, se me vem
cheia de dicas e recomendações de muita atividade física e extremo cuidado em
relação aos alimentos, inclusive os indicados por ela mesma como ótimos para
uma refeição equilibrada.
É por essas e outras que tenho
visto cada vez menos televisão, pois quando a programação não está mergulhada
em casos de violência, há sempre uma coisa, um escândalo qualquer para manter o
telespectador em estado choque, por intermédio de algum especialista, sempre as
mesmas figurinhas carimbadas, com suas caras entediadas e pretensa sabedoria.
Meu pai completa 88 anos em
julho deste ano e ainda come pé de porco, costelinha com mandioca, suã etc.,
além de tomar uma latinha de cerveja na hora do almoço. Até o meio do ano
passado, fazia questão de ir ao rancho de pescaria que mantém há muitos anos,
lá pelas bandas do Pantanal Mato-grossense. Não sei nem tenho certeza se ele
estaria vivo se tivesse, em algum momento, resolvido entregar-se aos cuidados
de uma nutricionista. Incrivelmente, as pessoas estão fazendo do prazer de se
alimentar um penoso simulacro de tortura física e psicológica, uma fonte
explícita de anorexia, principalmente entre os jovens.
O que há de gente nova e
atletas morrendo de ataque cardíaco, na chamada flor da idade, por aí é uma
enormidade! É claro que o sedentarismo é completamente desaconselhável, mas daí
a levar uma vida como se estivesse se preparando para competir uma olimpíada é
outra coisa, como costumava me dizer o saudoso José Cândido Ferreira (faleceu
aos 100 anos), um fraternal amigo, autor de belo livro, lançado quando ele tinha
88 anos.
Num país em que o acesso à
consulta médica se acha muito distante de ser democratizado, fator que fomenta
a cultura da automedicação e da compra de medicamento sem receita, é uma
temeridade a iniciativa de maciça disseminação de propaganda incentivando a
população a se exercitar, sob a ameaça subliminar de que, sem a prática de
exercício físico, entregar-se-á mais cedo aos braços da morte, que é o
draconiano imposto emitido pela receita ou controladoria celestial,
indistintamente, sobre todos os seres vivos.
Gostaria muito que os que
propagam a atividade física quase em nível profissional para todo mundo se
dessem ao trabalho de levantar dados sobre a longevidade dos atletas, apontando
a porcentagem deles que chega pelo menos aos oitenta anos, pois o que tenho em
mente, por exemplo, são personagens como o falecido jornalista Barbosa Lima
Sobrinho, que editava seus artigos em vários jornais Brasil afora, cujo único
exercício era caminhar de casa para o trabalho, e o arquiteto Oscar Niemeyer,
que se ocupa, há mais de um século, tão-somente da atividade intelectual e do
olhar atento às curvas femininas que servem de inspiração aos seus desenhos
arquitetônicos.
Sei não, chego a conjeturar
que atividade mental contínua e permanente – com muita leitura, ouvidos abertos
a composições musicais de qualidade, idas ao teatro, ao cinema, a exposições
artísticas, a palestras e seminários, visita a museus e cidades históricas –
seja capaz de acumular mais benefícios aos seres humanos que a exaustiva perda
de suores e manutenção de rija musculatura física.
Título e Texto: Carlos Lúcio Gontijo, Poeta,
escritor e jornalista, 05-03-2012
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