João Pereira Coutinho
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Imagem retirada daqui |
Viajo para São Paulo em breve.
Mas hoje, domingo, dia em que escrevo essas linhas, já recebi da minha tia
paulistana o conselho habitual: "Meu querido, se eles pedirem, você dá
tudo".
Abençoada tia. Quando a viagem
é para Roma ou Paris, há sempre a sugestão de um restaurante, de um museu, de
uma loja ou de um parque. São Paulo é outra história: se "eles"
pedem, eu dou tudo.
E eu já dei: anos atrás, no
lobby de um hotel a dois passos da avenida Paulista, fui assaltado à mão
armada. "É só o laptop", disse-me o rapaz, uma cara amedrontada e
imberbe que tremia com a pistola na mão. Nesse milésimo de segundo, lembrei da
minha tia e virei o cachorro de Pavlov: ele pediu, eu dei o laptop. Sem pestanejar.
Prejuízos?
Nenhuns: nem físicos, nem
psicológicos. O hotel pagou um novo laptop e eu ainda ganhei uma história para
contar. Nos dias seguintes, em conversas com amigos, relatava o episódio com a
estupefação própria de um europeu.
Eles também estavam
espantados: não pelo roubo, uma das atrações turísticas da cidade; mas pela
ousadia do assaltante, que arriscou a vida para entrar no hotel. Raciocínio dos
meus amigos: se o roubo fosse no carro ou na rua, tudo bem. Mas no hotel? Onde
podem existir seguranças?
Relembro hoje as minhas
aventuras passadas. Não apenas porque retornarei a São Paulo na próxima semana,
mas porque os assaltos em estabelecimentos deixaram de ser privilégio meu.
Todos os dias leio na imprensa
que um restaurante ou um bar sofreram mais um arrastão. O "modus
operandi" é sempre o mesmo: entra o bando, alguém armado ameaça os
presentes e depois é só fazer a limpeza. E a polícia?
Segundo o site da revista
"Veja", nos primeiros 20 dias de junho houve 26 casos registrados. E
a polícia não parece estar demasiado preocupada com "acontecimentos
menores", sem a grandeza de matanças ou sequestros.
"Acontecimentos
menores"? Lamento. Se a história do crime ensina alguma coisa é que
"acontecimentos menores" são terreno fértil para "acontecimentos
maiores".
Que o digam James Q. Wilson e
George Kelling, que há precisamente 30 anos escreveram sobre o assunto na
revista "The Atlantic Monthly". O ensaio, intitulado "Broken
Windows" ("janelas quebradas", março de 1982), virou um clássico
da criminologia e influenciou profundamente a luta contra o crime em Nova
Iorque nos anos 1990.
Durante as duas décadas
anteriores, a "Big Apple" era considerada um caso perdido – em
homicídios, estupros, assaltos e tráfico de droga. Como, então, se inverteu
esse cenário?
O prefeito Rudolph Giuliani e
o comissário da polícia William Bratton apostaram em estratégias pesadas – mais
policiais nas ruas, responsabilização direta das chefias por incidentes ou
delitos em suas áreas urbanas.
Mas Giuliani e Bratton aprenderam
algo de mais sutil com o ensaio de Wilson e Kelling: condições de desordem só
geram mais desordem. Exemplo: um bairro onde os edifícios estão degradados; as
janelas quebradas; os muros cobertos de pichação são ninhos potenciais de
marginalidade e crime.
A primeira coisa a fazer é
consertar o bairro; é não tolerar que ele seja vandalizado novamente; é punir a
pequena delinquência para evitar que ela se transforme em grande delinquência.
O ensaio de Wilson e Kelling,
e a ação posterior de Giuliani e Bratton, revolucionou o combate ao crime. Não
apenas em Nova Iorque, mas em todas as cidades americanas onde a estratégia foi
seguida.
Mais: a experiência da
"tolerância zero" não se limitou a cidades americanas. Na Europa,
essa intransigência com os pequenos delitos acabou por ser recompensada na
Holanda, na Inglaterra, na Itália. O pequeno crime e o grande crime são
disruptores da vida social. E o primeiro é a antecâmara do segundo.
Se as autoridades paulistanas
consideram os arrastões em bares ou restaurantes "acontecimentos
menores", elas deveriam ler James Wilson e George Kelling.
Sobretudo estas palavras:
"As estatísticas do crime medem perdas individuais, mas não medem as
perdas comunitárias". E as perdas comunitárias, acrescento eu, são mais
difíceis de regenerar.
Moral da história? Eu até
posso dar tudo quando "eles" pedem. Mas esse crime sobre mim é, na
verdade, um crime contra São Paulo.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, Folha
de S. Paulo, 26-06-2012
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