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Mário Soares na Marinha Grande, janeiro de 1986 |
Pedro Correia
«Os manifestantes agitavam
bandeiras negras, símbolos da fome, e gritavam"gatuno!",
"ladrão!". Mário Soares não ficou parado a ouvi-lo. No dia
30 de Novembro de 1983, quando ouviu esses insultos contra a austeridade
imposta pelo programa do FMI, o primeiro-ministro e líder do Bloco Central
(coligação PS-PSD) visitava Coimbra acompanhado do ministro socialista Almeida
Santos. Semanas antes, o governo anunciara um imposto extraordinário de 2,6%
sobre os rendimentos dos portugueses (em 2013, a sobretaxa será de 3,5%).
Soares aproximou-se dos manifestantes comunistas que o perseguiam com as
bandeiras pretas e agiu. "Passei muito perto deles, aí a uma
distância de um metro do local onde se encontravam, a vociferar", contou
Soares no segundo livro de entrevistas biográficas à jornalista Maria João
Avillez. "Ao lado estava um polícia muito aprumado na sua farda,
impassível. Interroguei-o: 'Senhor guarda, o que está aqui a fazer? Não ouve
estes insultos? O polícia ficou atrapalhado, mas agarrou no homem cujos
insultos eram mais vernáculos e audíveis e prendeu-o."
Na sequência da ordem do
primeiro-ministro, três homens e uma mulher foram detidos e presentes a
tribunal. (...) Segundo Mário Soares, as bandeiras negras da fome eram uma
construção do PCP. "Havia uma equipa de cerca de 200 manifestantes
- sempre os mesmos - que andava de um lado para o outro, com bandeiras pretas,
para me consultar e insultar. Eram profissionais." No tribunal de
Coimbra, o juiz Herculano Namora absolveu os manifestantes. Para os julgar,
segundo o Código Penal, era preciso uma queixa (inexistente) do ofendido.
Indignado, o primeiro-ministro reagiu assim à decisão judicial, de acordo com oCorreio
da Manhã da época: "Se o juiz entendeu que não foi um
crime público, o problema é dele. Ficamos a saber que esse juiz não se importa
que lhe chamem gatuno."
Revoltado com o comentário do
chefe do governo sobre a sua decisão judicial, o juiz apresentou queixa no
Conselho Superior da Magistratura: "Parece-me que o dr. Mário
Soares se precipitou ao comentar a decisão de um órgão de soberania, pondo em
causa a independência dos tribunais e da própria magistratura."
Mário Soares não hesitou: se a
lei não servia, mudava-se a lei. Na semana seguinte, o Conselho de Ministros
alterava o Código Penal, explicando em comunicado que se tornavam públicos, sem
depender de queixa, "crimes de difamação, injúria e outras ofensas contra
órgãos de soberania e respectivos membros." Se repetissem a graça, aqueles
comunistas não seriam absolvidos.
Há uma semana, quase 30 anos
depois de liderar o governo de maior austeridade antes do de Pedro Passos
Coelho, Mário Soares escreveu no Diário de Notícias: "O povo não existe para o primeiro-ministro e para o seu Governo. Tenha, pois, cuidado com o que lhe possa acontecer. Com o povo desesperado e em grande parte na miséria, corre imensos riscos." Soares também encabeçou uma
carta aberta de 70 personalidades a pedir para Passos Coelho se demitir.
Mas quando liderou o Bloco
Central coligado com Carlos da Mota Pinto, do PSD, o primeiro-ministro
socialista também correu riscos e não era uma figura que agisse de acordo com
as regras de comunicação política hoje consideradas normais.
No dia 1 de Novembro de 1983,
à porta da fábrica da Renault, em Setúbal, cercada por trabalhadores, Soares
gritou-lhes: "Diálogo convosco, só com a polícia!" Segundo
a agência noticiosa Anop, o primeiro-ministro justificou-se assim: "Não
pode haver tolerância nem diálogo com pessoas que nos dirigem slogans
injuriosos." São Bento emitiria um comunicado a dizer que "o
díálogo tem regras e perante as injúrias a resposta só pode vir das autoridades
policiais".»
Excertos de um extenso
artigo de Sara Capelo e Vítor Matos, intitulado "As cargas policiais de
Soares", publicado hoje na revista Sábado.
Título e Texto: Pedro Correia, Forte Apache,
13-12-2012
O coveiro da democracia?
Alberto Gonçalves
Durante décadas perdoámos tudo
a Mário Soares no pressuposto de que, apesar dos seus incontáveis defeitos, o
homem impedira o avanço comunista nos idos de 1975
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