sábado, 31 de agosto de 2013

O ‘new look’ da Irmandade Muçulmana

Na prática, as manifestações islamitas de apoio ao Presidente deposto são para o Ocidente ver: os símbolos jihadistas não são permitidos e os slogans a favor da democracia estão traduzidos em inglês.

Amina Kheiry

Aproveitar as ideias dos outros não é ser original e utilizar os métodos do adversário por oportunismo não faz deles um dogma. Trata-se de um maquiavelismo que o próprio Maquiavel talvez tivesse renegado. E, acima de tudo, é uma prova de incoerência. Acontece que a incoerência parece ser a nota dominante dos grandes desfiles de apoio ao presidente destituído Mohamed Morsi, que partem da Praça Rabiaa al-Adwiya, no Cairo.

Os slogans chamam a atenção de uma menina, que corre para a janela, agita uma bandeira egípcia e começa a gritar: “Exército e povo de mãos dadas!” Ao ver isto, a mãe, sobressaltada, tapa-lhe a boca com a mão e diz: “Cala-te! Estes apoiam o Morsi”. A criança não entende por que motivo a mãe ficou em pânico. Mas depressa se apercebe de que, apesar de ser parecido na forma com os desfiles que já participou, este tem um ambiente diferente.

Fes, Marrocos, foto: Josep Renalias
A imensa maioria das mulheres está vestida de preto e quase todos os homens usam barba, para já não falar das omnipresentes djelabas, mais ou menos compridas. Os que a cortam acima do tornozelo fazem-no geralmente em sinal de piedade, “para imitar o profeta”. Tal como os seus adversários, favoráveis à intervenção do exército contra Morsi, muitos islamitas agitam a bandeira egípcia.

Fazem-no, no entanto, de forma pouco espontânea, por motivos táticos. É também por motivos táticos que, nos últimos tempos, se mobilizam e vão para a rua, preocupados com as reações do Ocidente “infiel” e dos seus órgãos de informação “depravados”. Nas manifestações dos islamitas, não se veem as bandeiras negras dos jihadistas ou da Al-Qaeda, nem bandeiras verdes da Irmandade Muçulmana.


E as canções, até agora proibidas nas manifestações islamitas, passaram a estar omnipresentes. A lista imposta ao DJ inclui muitas canções patrióticas do falecido Abdel Halim Hafez, cantor de charme dos anos 50.

“Tudo nestas manifestações está traduzido em inglês, dos cartazes aos dizeres que adornam os palanques”


Foto: Gianluigi Guercia/AFP
Tambores e canções
Como os organizadores não estão habituados a gerir este tipo de coisas, o som está aos berros, cheio de interferências e soluços, o que não contribui para criar um ambiente de festa. Os manifestantes não cantam os refrões em coro, nem acompanham o ritmo com palmas.

A única coisa que entoam é a palavra de ordem que costumavam gritar: “Islâmico, Islâmico”. Mas recuperaram os enormes tambores que os fãs das grandes equipas de futebol do país utilizam, nas finais da Taça do Egito: querem transmitir a impressão de que “estão ao nível das normas internacionais”.

Numa manifestação islamista anterior, os participantes acabaram por se sentar em cima de uma gigantesca bandeira egípcia que tinham trazido, mas corrigiram esse erro de comunicação distribuindo cartazes.

Os dizeres árabes são sistematicamente legendados em inglês, como se se tratasse de um filme em versão original que se quisesse tornar acessível a um público estrangeiro. “Não ao golpe de Estado”, em árabe, passa a ser anticoup, contra o golpe, em inglês. Nas bandeiras, alguns escreveram diretamente em inglês, Protect the revolution (Protejam a revolução).

Até o palanque da praça – onde foi anunciada a boa notícia da conversão ao Islão de uma cristã copta, para apoiar Morsi foi despojado dos símbolos associados à Irmandade Muçulmana. Em vez de referências religiosas, pode ver-se o slogan “Protejam a revolução, protejam a legitimidade”. Em inglês, é claro.

Até os graffiti nas paredes estão em inglês: Down with Military Coup (Abaixo o golpe militar) e até o conceito, ocidental e infiel, de democracia é utilizado pelos islamitas: Morsi for democracy (Morsi pela democracia). Apesar destas concessões às cores, à tendência musical (que inclui mesmo o rap), apesar da aceitação das canções patrióticas, que ainda ontem eram proibidas, e dos tambores dos fãs do futebol, até agora considerados fúteis, este new look não convence a população do Cairo.

E também não será a manchete do diário Al-Hurriya wa Al-Adala (Liberdade e Justiça) que virá mudar alguma coisa. Este jornal, órgão da Irmandade Muçulmana, anunciava na primeira página que “as grandes capitais do mundo livre foram palco de imensas manifestações a pedir o regresso de Mohamed Morsi” – sendo que “mundo livre” queria dizer Jerusalém, Turquia, Iêmen, Afeganistão, Paquistão, América e Líbano.
Título e Texto: Amina Kheiry, Jornal “Al-Hayat”, Londres, 15-07-2013
Tradução: Isabel Fernandes, Courrier Internacional, setembro 2013
Digitação: JP

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