Não basta condenar os
ataques anticristãos em países islâmicos porque para acabar com a violência é
preciso pensar em termos de igualdade e de cidadania.
Yussel Bazzi
O duplo atentado que matou dezenas de cristãos no Paquistão (22 de
setembro) coincidiu com o massacre de dezenas de outros cristãos num centro
comercial em Nairobi, perpetrado por um grupo de extremistas muçulmanos que
visava deliberadamente alvos não muçulmanos. Pouco antes, casas e igrejas
coptas haviam sido queimadas em Delga, no Alto Egito, por grupos islamitas
apoiados por populares.
Terror da Nigéria ao Iraque
Estes factos inscrevem-se numa série de ações terroristas, assassínios,
raptos e expulsões de cidadãos cristãos de países de maioria muçulmana, da
Nigéria ao Paquistão, passando pelo Egito, Síria ou Iraque. Mesmo noutros
países em que os cristãos estão mais preservados do terror, precisam da “proteção do Estado” ou são
vítimas de discriminação social e política, sentindo-se cercados, fracos ou sem
segurança. A principal consequência da ausência de uma cultura de igualdade de
cidadania e de coexistência é a migração de comunidades cristãs, representantes
da história antiga e da civilização desses países, correspondendo, por vezes,
às elites sociais, políticas e culturais.
É óbvio que a maioria dos muçulmanos condena ataques contra concidadãos
não muçulmanos, bem como o terrorismo contra estrangeiros. No entanto, essa
maioria pacífica partilha velhos ódios ao Ocidente, a ponto de considerar os
cidadãos cristãos seus aliados objetivos por não partilharem fidelidade à umma [nação muçulmana].
A cultura generalizada entre a maioria dos muçulmanos é a da “primazia do
direito da maioria” e da “defesa da religião”, dando primazia à identidade
religiosa sobre a identidade nacional. Assim, a aplicação da Sharia – nas suas interpretações mais
antigas ou modernas – é considerada preferível á lei civil. Isso pode ser
constatado nos debates constitucionais atualmente em curso na Tunísia, Egito e
Paquistão.
O Islão “moderado”, que condena os ataques contra os cristãos, limita-se
a uma rejeição da violência, sem lhe combater as causas ou origens. Hesita,
mesmo, em excluir do Islão os autores de atos terroristas que matam pessoas
inocentes (muitas vezes maioritariamente muçulmanas), remetendo para textos
antigos, não questionados até agora, para justificar as suas ações.
O Islão moderado, ainda que se demarque do terrorismo, não vai à raiz última
da violência
Apoia-se numa tradição que não foi reformada nem reinterpretada. Esses
grupos apresentam-se como verdadeiros muçulmanos e consideram os demais como
menos muçulmanos. E o “Islão oficial” não atua contra eles, incapaz de
responder às questões essenciais relativas aos direitos humanos, às leis de
sucessão ou ao casamento de menores.
Violência sectária
A crise das sociedades muçulmanas é agravada por conflitos comunitários
intermuçulmanos. A violência e o terrorismo não se limitam aos não muçulmanos,
mas também a diferenças sectárias e étnicas, como acontece no Paquistão,
Afeganistão, Iraque, Síria, Somália, Sudão e mesmo na Nigéria.
Tudo isso ajuda a fechar os Estados e as sociedades, afastando-os da
marcha da História e remetendo-os para as trevas da “sedição”. Transforma os
países em territórios áridos, onde se espalha a morte, o desespero, a
destruição e uma grande pobreza. Desde o fracasso do “Estado talibã” no
Afeganistão até ao impasse do khomeinismo no Irão, passando pela derrota do “Estado
da Irmandade Muçulmana” e o caos dos fanáticos islamitas suicidas no Iraque, ou
pela Somália, o Islão político prossegue na sua via, numa altura em que se
coloca a questão histórica crucial: para quando o início de uma profunda
reforma religiosa, adiada há séculos?
Título e Texto: Yussel Bazzi, jornal Al-Mustaqbal, Beirute, Líbano
Tradução: Ana Cardoso Pires, Courrier
Internacional, dezembro de 2013
Digitação: JP
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