O ano que terminou foi rico em
fenômenos de agitação social. O mais importante deles, as massivas
manifestações de junho, que levaram às ruas milhares de jovens da classe média
pelo Brasil afora. Paralelamente a essas manifestações, surgiu o fenômeno dos
grupos de ativistas violentos que tentaram esvaziar os pacíficos protestos
juvenis. Os "black blocs" caboclos conseguiram, segundo vários
analistas, esvaziar as legítimas manifestações multitudinárias.
Segundo Dora Kramer (É assim que começa, Estadão, 31/10/2013), repete-se, nos dias de hoje, a
política populista que Leonel Brizola aplicou ao Estado do Rio de Janeiro
quando eleito governador em 1983. A fim de angariar os votos dos setores
populares, Brizola prometeu que, se eleito, a polícia não subiria aos morros.
Cumpriu a promessa e as favelas viraram redutos do crime organizado, que passou
a importar armas pesadas. Os antigos "malandros" tornaram-se
profissionais do crime e passaram a "peitar" a polícia com armamentos
modernos. Deu-se assim, no Rio de Janeiro, o agravamento da violência, com as
cenas de guerra que os cariocas conhecem sobejamente.
Para Dora Kramer, mais do que uma
questão corriqueira de ordem pública, a atual situação é grave: estão em jogo
as instituições democráticas. Isso em razão do crescimento desmedido da
violência dos ativistas nas manifestações, com infiltração do crime organizado
e, por outro lado, em face da indefinição dos governos, tanto federal quanto
estaduais, diante de uma situação de violência generalizada que atemoriza os
cidadãos. Concluiu a jornalista a sua análise com estas palavras: "Para
além de declarações formais, de reuniões e de intenções de agir conjuntamente,
conviria aos governos federal e estaduais prestarem a devida atenção aos
primeiros acordes e reconhecer a sinfonia. Está em jogo o Estado de Direito. E
isso requer mais que a análise do diagnóstico proposta pelo secretário-geral da
Presidência da República, Gilberto Carvalho, para quem não se pode criminalizar
as manifestações sociais".
Já de acordo com o jornalista
e professor Eugênio Bucci (Uma aliança crimino-estudantil?, Estado, 31/10/2013), a atual situação enquadra-se num marco bem maior, que tem relação
com três movimentos revolucionários: o da aliança de camponeses e operários, ao
ensejo do levante bolchevique na Rússia em 1917, o da aproximação entre
estudantes e operários em 1968, nas jornadas parisienses que passaram à
História como "Maio de 68", e o da aliança entre movimento juvenil e
criminalidade, que estaria presente nas jornadas de junho do ano passado.
Considerou o articulista que a infiltração dos radicais "black blocs"
conseguiu esvaziar um movimento de ruas legítimo e ordeiro. E assim concluiu o
articulista a sua análise: "Se fenecerem nesse esvaziamento patético, as
manifestações de junho terão sido um malogro. Que grande pena. Sem gente na
rua, gente de cara limpa, não será possível mudar o Brasil. (...) Aí vêm os
black blocs e expulsam das ruas os manifestantes pacíficos. Mesmo que
involuntariamente, eles agem como os coveiros de uma esperança".
As manifestações do espírito
revolucionário moderno são variáveis, abarcando a desordem populista destacada
por Dora Kramer ou a tríade apresentada pelo professor Bucci. Mas há, bem no
fundo, algo que, como um vulcão nas profundezas marinhas, impele rochas
incandescentes por baixo da calmaria das águas, dando ensejo a um tsunami que
tudo arrasa quando desatado. Essa força bruta é o espírito do que Jacob L.
Talmon denominou "democracia totalitária", cujo formulador, no século
18, foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). O filósofo de Genebra elaborou no
seu Contrato Social a fórmula para que a democracia dos modernos se tornasse
totalitária. O arrazoado do maluco pensador era claro, como implacável é a
lógica dos psicopatas: a felicidade geral da nação decorre da unanimidade.
Logo, pau na dissidência! Todos os meios são válidos para conseguir a entropia
social na unanimidade almejada: ameaças, terrorismo, polícia secreta,
assassinatos, difamação, sequestros. O importante é garantir o surgimento do
"homem novo", todo ele formatado ao redor da "vontade
geral" que constitui o bem público. Esse é o regime da virtude.
Está em ascensão, no horizonte
político, perigoso esquema hegemônico que coopta tudo e todos ao redor do
projeto de poder total que anima ao núcleo duro do PT. Por trás do
maquiavelismo do Rasputin do Planalto, Gilberto Carvalho, e inspirando os
avanços e recuos do ministro da Justiça, que ora oferece apoio federal contra
os desmandos, ora diz que deve haver diálogo com os terroristas mascarados,
esconde-se o mesmo espírito que animou os jacobinos franceses em 1789: a busca
da unanimidade veiculada pela hegemonia partidária.
Para conseguir o fim almejado
(a hegemonia partidária) e a transformação da "democracia representativa
liberal" em unânime "democracia de massas", pautada pela vontade
onipotente do partido hegemônico (no caso, o PT), tudo é valido, desde a
grosseira intimidação contra jornalistas e cidadãos até o "assassinato de
reputações" (de que falou, em alto e bom som, o ex-delegado Tuma Júnior na
sua obra lançada recentemente). O PT adotou o modelo comportamental que o
professor Antonio Paim (Para entender o PT, Londrina: Edições Humanidades,
2002) identificou como "ética totalitária", a qual parte do falso
princípio de que "os fins justificam os meios".
A única maneira de fazer
frente a essa ameaça contra a pluralidade, a democracia e a liberdade dos
brasileiros consiste em denunciar a falsidade dos princípios em que se alicerça
essa maluca empresa de poder total.
Título e Texto: Ricardo Vélez Rodríguez é membro do
Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
e é professor emérito da ECEME. O Estado de S. Paulo, 08-01-2014
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