[O cão tabagista conversou com...] Mark Tony: "... fui um tripulante da Varig. Não saio de casa sem levar o meu crachá"

Nome completo: Marcos Antônio Pereira Rangel

Nome de guerra: Mark Tony

Você é carioca? Sim.

Quando começou a trabalhar? Aos 14 anos (sem carteira assinada). Com carteira foi em 01-08-1967.

Onde? Papelaria PIRIL S/A.

Por quanto tempo trabalhou na papelaria?

Até 31 de janeiro de 1970, quase três anos.

E de lá…

Fui trabalhar na INTERAMA S/A IMP. E EXP., no centro do Rio, depois na S.N.- INVESTIMENTOS S.A - SOCIEDADE CORRETORA, em frente à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (onde eu tinha um auxiliar que foi demitido por corte de dinheiro), e depois FERTEC-COMERCIAL E INDUSTRIAL DE FERRO LTDA, na Rodovia Presidente Dutra.

Logo após, a VARIG, onde iniciei com um salário de CR$ 376,80, sendo que o meu salário na FERTEC era de CR$ 1.000,00 (mil cruzeiros), foi a decisão mais acertada da minha vida.

Qual foi a decisão mais acertada: sair da FERTEC ou entrar na Varig?

Entrar na VARIG! O meu auxiliar da S.N. Crefisul, quando desempregado, pediu auxílio a uma prima, ex-aeromoça da Cruzeiro do Sul que era casada com o chefe dos comissários da CRUZEIRO, que o fez fazer teste para comissário de bordo.

Foi aprovado e depois de um ano de voo, quando a CRUZEIRO e a VARIG (1974) estavam selecionando novos comissários, ele me procurou com uma proposta da CRUZEIRO... Eu disse “não, obrigado, por ser ‘NEGRO’!”, mas depois de tanto ele insistir disse "Vou Tentar!". Mas quando resolvi tentar, a VARIG também estava admitindo... e ser recusado por uma companhia aérea que fazia Brasil/América e Europa ou por uma outra que só fazia Brasil/América do Sul, tentei a melhor, e fui aceito em 15 de Agosto de 1974.

Lembra-se de quem estava na sua entrevista de seleção?

Não, mas eu acho que a Alice Klausz estava! 

E começou a voar em…

Pelo problema na mudança do uniforme dos tripulantes de cabine para a cor marrom, minha turma (começo em 15-08-1974 e graduada em 11-1974) só começou a voar na segunda quinzena de dezembro de 1974. 

Avro 748, PP-VDR, maio 1975, foto: Marcelo Magalhães

Qual o equipamento?

O equipamento era o AVRO, para Salvador!

Rio, Vitória, uma outra escala que não me lembro, e Salvador, voltando no mesmo dia, pousando nas mesmas escalas! Decolávamos do Santos Dumont às 08h00 e pousávamos no mesmo aeroporto, por volta das 18h00!

Nossa!

Muita saudade desse tempo?

Muita saudade, mesmo! Eu sempre amei a minha função e trabalhava com muito prazer. Eu até hoje digo, com muito orgulho, que fui um tripulante da VARIG. Não saio de casa sem levar o meu crachá.

Compreendo… mas eu perguntava se você tinha saudade desse tempo do Rio/Salvador?...

Claro que sim, pois foi uma época que eu estava deslumbrado com tudo: com avião... estar voando sem nunca ter voado... sem medo de nada (de turbulências e tudo mais!), aeroportos, cidades novas, e principalmente, custando a acreditar que eu estava ali, que nada era um sonho, era tudo realidade! 

Sei…

Falando em uniforme, você gostava do uniforme marrom?

Não! Eu tinha paixão pelo uniforme azul dos Comandantes, Copilotos e FE’s, com aqueles quépes imponentes... Quando o uniforme azul voltou para o pessoal de cabine, eu me sentia, quando uniformizado, um guarda da rainha da Inglaterra! Até hoje tem um vizinho meu, que tenho certeza não saber meu nome, me cumprimenta me chamando de "Comandante".

Voltando ao início… e depois do Avro?

Depois do AVRO, quando eles acabaram, fui voar a ponte aérea RIO/SÃO PAULO, ainda com os uniformes marrons, nos saudosos ELECTRA II. Comecei a voar fixo com a nossa colega, falecida há poucas semanas, Shiray!

Quanto tempo ficou na Ponte Aérea? Depois...?

Não sei dizer, mas adorava voar o ELECTRA II. Depois fui para o B-727, ainda com o uniforme marrom!, e depois, para a o B-707, já com o uniforme azul, quando fiz o meu primeiro voo internacional, RIO-LISBOA! Aí sim, me senti importante na VARIG!

Lisboa, Largo Camões, 20-04-2013, foto: JP

Quando chegou ao B-707 (RAI), não ficou fazendo Buenos Aires dia sim, dia não?

Foi em 1978, mas não fiquei fazendo BUE, dia sim e dia não, fazia-o, mas intercalado com LISBOA. Ponte aérea RIO-BRASÍLIA, LUANDA, MANAUS, etc... Fui daquela turma que a VARIG não promoveu para o DC-10, até vender todos os B-707, o que levou quase quatro anos. Quando eu cheguei no DC-10, em 1982, me largaram na Classe Econômica por alguns meses, quando fui reclamar na chefia, que comissários com matrículas entre 36000 e 40000 já trabalhavam em Classes superiores e a minha matrícula era 30.781-8... Na escala seguinte já estava fazendo curso para a Classe Executiva onde voei por quase oito anos debaixo daquela escada do B-747-300, quando alguém se lembrou que eu já poderia ser Supervisor de Cabine, com um salário melhor. Mas eu recusei, querendo ir então para a Primeira Classe (descobri que tripulantes da Primeira Classe tinham cursos de culinária – que sempre adorei –, vinhos e etc...). Comecei a voar na "First Class" no começo da década de 90, quando em 1996 pedi pra ser Galley (maravilhoso!)... E a VARIG, sempre poderosa, querendo atualizar seus Comissários, tirava, nós da primeira classe, do voo, para curso de vinhos, caviares, bebidas, comidas e etc... Fiquei até outubro de 2000, quando pedi (a VARIG nessa época já incentivava a fazê-lo) a minha aposentadoria! 

Você trabalhou na Galley da Primeira?!

Sim trabalhei, e gostava tanto do que fazia que nunca aceitei ser Chefe de Cabine ou Chefe de Equipe para não ter que sair da minha adorada Galley da Primeira Classe.  

Onde gostava mais de pernoitar?

Em Nova Iorque. Era uma cidade que me excitava! Eu já chegava no hotel pensando em ir andar naquelas ruas de NYC; ruas que eu conhecia de alguns filmes ou seriados americanos.

 

“Kojak” era um dos seus preferidos? 

Não, eu nunca gostei de nada violento! O filme mais violento que eu vi na minha vida foi "a Noviça Rebelde"! Acho que tudo começou com "Papai sabe Tudo" e mais tarde com a primeira  série de "Bewitched" (a Feiticeira!),  que eu tinha dúvida se Samantha e James se encontram na Big Apple!?  

Você gostaria de ter nascido em Nova Iorque…

Quando estava saindo da minha mãe... eu ainda um feto, com aqueles olhinhos fechados como um chinezinho, eu me lembro que estava orando: Nova Iorque, Nova Iorque, Nova Iorque... e vim nascer em Botafogo, RJ, Brasil! Acho que foi a primeira decepção da minha vida!

Imagino o que deve ter sentido na primeira viagem na condução do aeroporto JFK para o hotel…

Lembra qual era o hotel de pernoite nessa sua primeira viagem?

Eu parecia uma criança na sua primeira viagem à Disney! Foi difícil acreditar que eu estava na cidade que eu mais amava no mundo; só olhando para cima, tentando entender como alguém conseguiu construir edifícios tão altos!? Quanto ao meu primeiro hotel em NYC foi o "New Yorker Hotel".

Compreendo perfeitamente. O meu terceiro voo, a serviço da Varig, foi, justamente, Nova Iorque… e lembro bem da minha emoção no trajeto até ao hotel…

Mas, DEPOIS de Nova Iorque, qual a cidade que captava... a sua atenção?

Nenhuma!  Depois de conhecer NYC, as outras cidades foram tipo assim: "Só estou aqui cumprindo uma escala de voo!" Saía para conhecer onde eu estava, procurava o supermercado mais próximo e comprava pães, frios, água e vinhos brancos secos e voltava para o  quarto de hotel para ficar deitado lendo livros. Coisa que até hoje gosto de fazer... ficar em casa lendo!

Que tipo de leitura?

Suspense! Sempre fui fã de Agatha Christie, e quando chegava ao final do livro e errava no nome do assassino/a, eu relia o livro, para ver onde tinha errado. 

Depois da aposentadoria abraçou alguma atividade?

Sim! Fiz curso de ator no Liceu de Artes e Ofício/RJ. Não que eu quisesse ser um ator de cinema ou TV, nada disso... eu queria mesmo era aprender os segredos da "dublagem", e como todos sabem, para ser dublador tem que ser ator, curso que eu fiz no SENAC... tenho registro na minha carteira de trabalho como ator/dublador!

Qual a personagem (ou quais) que você gostaria de dublar?

Muitas vezes, quando atendo o telefone na minha casa, todos me tratam como se estivessem falando com uma senhora, nunca corrijo, só quando vem a pergunta: "Estou falando com quem?".

Por isso acho que eu gostaria de dublar os "gays" da TV, principalmente o Sheldon (não que ele o seja, nem ele nem ninguém sabe o que ele é!) da série "The Big Bang Theory" do canal Warner.

Por que diz que todos o tratam, ao telefone, como se fosse uma senhora?

Deve ser pelo som da minha voz ao telefone.

Falando em gays, como você analisa/avalia toda a contemporânea questão da homossexualidade? Quero dizer, casamento, deputado Jean Wyllys, homofobia, heterofobia…

Eu sempre achei todo o tipo de amor válido, claro que com discrição! Em toda a minha vida de adulto, eu já fiquei várias vezes impressionado com senhores, pais de filhos, algumas vezes avôs, carentes por um relacionamento homossexual e nem sempre querendo ser a parte ativa, carente de carinho e atenção...

A discrição é a Elegância e Educação…

Exatamente! A elegância e educação fazem parte dessa discrição.

Você nos disse que nos pernoites ficava lendo… mas em Nova Iorque saía para jantar?

Não! Em Nova Iorque eu saía mais para passear! Em geral, por eu só gostar de jantar antes de ir dormir, coisa que acontece até hoje, isto é, quando o dia começa a clarear. Então, antes de retornar ao hotel eu passava por um supermercado e comprava pães, frios, água, refrigerante e uma garrafa de vinho branco seco; além de ter algo que comer quando acordasse depois do almoço, menos, claro, o vinho, economizava na diária de Nova Iorque.

Não entendi muito bem. Você gosta de jantar antes de ir dormir, é isso?

Sim, meu amigo! Por volta das 5h da manhã, quando todos começam a acordar, eu começo a esquentar o jantar (já feito por mim, desde as 8h da noite (hoje o cardápio é bife com batatas fritas) vou tomar banho, janto e vou para a cama ler um livro ou uma revista Disney e cinco minutos depois já estou dormindo e vou até às 13h/14h…

Você só comprava uma garrafa?

Somente uma, era o bastante! Era só para não ir dormir com a mesma cabeça que eu havia acordado. Eu gostava mesmo era de cerveja Antarctica.

Não gosta mais?

Não é que eu não goste mais... Eu bebia duas garrafas de cerveja lá na cantina do condomínio e quando subia, bebia mais quatro! Cerveja a R$ 6,00, seriam R$ 36,00 por dia; multiplicando por 30 dias…  

Uma garrafa de um litro de whisky vagabundo sai por R$ 12,90 e dura de três a quatro dias. Não fui eu quem quis assim... eu sou  brasileiro aposentado/INSS/Aerus…

Você se aposentou em outubro de 2000. Estava cansado de voar?

Acho que sim! Quando eu pedi para ser "galley" eu acho que já estava começando um início de reclusão, que começou talvez em 1994. No ano de 2000, por três vezes eu estava uniformizado, entrei num táxi que me esperava no estacionamento do meu condomínio e comecei a chorar, pedindo e ensinando ao motorista novo trajeto: Serviço Médico da VARIG. Na última vez que isso aconteceu eu tenho certeza que foi no dia do voo RG-8860 (Rio/Nova Iorque), o que eu mais gostava de fazer; foi quando o psicólogo disse que eu estava com ojeriza ao público e me sugeriu a aposentadoria... já que a VARIG estava incentivando a isso, concordei! 

Essa ‘ojeriza’ ao público não teria a ver com esse mesmo público, que mudou muito nos últimos anos?

Não sei se o público mudou ou as coisas ficaram mais acessíveis; só sei que as coisas mudaram, pra pior; tornaram-se desagradáveis!

Os chamados "UP GRADE" tornaram-se constantes nos voos. Às vezes, num serviço maravilhoso de Primeira Classe da VARIG, de quatro horas, você oferecendo vinhos, champagnes, vodcas e etc... que eu tinha posto para gelar mais ainda, o passageiro dizia: "Tem uma latinha de cerveja?-" e quando você voltava lááá da econômica com a maldita lata, pois só entrava latas de cervejas lá, o upgradado dizia: "Tá um pouquinho quente, não dá pra gelar?"

Isso era igual a um chute no saco! Igual a se oferecer "Caviar" e o cara perguntar:

- Não tem sardinha?

Pois é, pois é…

Como você acompanhou a degringolada da empresa?

Não, nunca acompanhei o degringolar da empresa! Eu sempre fui adepto do "casa minha, regras minhas!". Por isso mesmo quando eu acordava acompanhava só um telejornal soft (Jornal “Hoje”) e depois canais a menos.    

Só soube que não era mais aposentado VARIG/Aerus quando o dinheiro deixou de entrar na minha conta corrente do banco! 

E quando soube efetivamente, lembra?

Acho que foi no final de 2005 e princípio de 2006, os cintos começaram a se apertar com esse "BUMMM"! Já disse que dentro da minha casa, as regras são as minhas... os amores começaram a escafederem-se!

Isso aí é coisa pra pesquisar extratos bancários... tenho todos... aqui na minha casa tudo que entra ou sai está registrado, tenho livro-caixa até hoje! Sou metido a “perfeito”, não sou chato, mas "eu" quero saber porque utilizei aquele dinheiro? Foi necessário? Vai fazer isso de novo? Poderia ter empregado de outra forma? Etc... Lembra quando eu disse que nunca durmo com a mesma cabeça que eu acordo!?!?

É isso aí, quando eu estou aqui, bebendo, nem penso em contabilidade ou que eu sou brasileiro…  

Como você vê esses protestos no Rio e em São Paulo?

Você está falando dos protestos, né? Não nos "quebra-quebras"! Quanto aos pro testos eu sou a favor, temos mesmo que gritar que estamos aqui, não somos somente os que sustentam esse país, não somos só marionetes nas mãos deles, dos poderosos, governantes, desonestos... somos um povo que precisa ser tratado com respeito, valorizado, sentindo-se protegido, pois atenção e carinho, todo o mundo quer, não é mesmo?  Quanto aos baderneiros, sou contra! São um bando de babacas pobres, aceitando ser usados por uns babacas maiores ainda que eles, em troca de dinheiro! Sem mencionar a apresentação, a cultura, o linguajar, o QI, a apresentação, etc...

Protestos populares estão acontecendo na Venezuela…

Acho tudo válido, tem que acontecer mesmo, tem que provar que não se é capacho! Na América do Sul, na América Central e em outros países pobres, o povo tem que acordar e parar de dar dinheiro a esses governantes milionários e asquerosos, e começar a exigir divisão melhor nessa partilha.   

Falando em protestos, tem participado nos dos ex-trabalhadores da Varig?

Toda vez que eu posso, e que seja na parte da tarde, eu vou, sim! Não que eu ainda acredite, não! Mas quero fazer número e principalmente e prazerosamente rever os colegas de voo! Fomos, algumas vezes, Mário Reis e eu, um dos "pretinhos da VARIG", já que ele mora no meu bairro.

Em frente à sede do Aerus, 29-10-2009, fotos: Paulo Resende

Candelária, 14-01-2010, foto: Dayse Mattos

E o futuro, como vai ser?

Não sei, juro que não sei! Aqui neste país tudo é muito complicado... É estranho, antigo e principalmente caro! Eu pensei em vender o meu apartamento e ir mais pro interior, onde viveria bem melhor com o meu INSS, mas é muito que se paga, é muito cartório, documentos, advogados, burocracias, e principalmente, aborrecimentos! Desisti!

Quando ao futuro, no máximo o próximo dia!      

Conversas anteriores:

Ivan Ditscheiner: “A Varig, tão falada portanto tempo, não existe mais. Nós, sim. Nós existimos.”

Edi Oliveira: “caramba, trabalhei tanto, paguei tanto, acreditei, confiei tanto, e agora nem para papel higiênico servem essas promissórias...”

Consuelo Maria: "Não acredito em ACORDO antes do julgamento da  Defasagem Tarifária"

Thomaz Raposo: “A APRUS apenas trabalha no interesse de todos os participantes e isto não é aceito pelo SNA que quer sempre ser o dono da verdade”

Nelson Schuler: "O desmoronamento foi um DESASTRE que causou para mim e meus três filhos muita ARMAGURA e NOSTALGIA"

Rubens de Freitas: “O desespero era grande e eu decidi acabar com a minha vida.”