Jacinto Flecha
Eu não conhecia quase nada
fora dos limites da minha cidade, nenhuma referência sobre o tamanho do mundo,
e estranhei quando o Repórter Esso não noticiou um fato local importante,
manancial inesgotável para nossas conversas durante algumas semanas. Fiz até um
rascunho de carta para reclamar, e só não a enviei por não ter encontrado o
endereço. Do Repórter Esso, é claro, pois Rádio Nacional significava outra
coisa no meu limitado conhecimento do mundo. Nunca perdoei o Repórter Esso por
esse olímpico desprezo aos nossos fatos importantes. Ao invés de alardear
Panmunjon, Coréia, muito mais simpático seria Minas Gerais, Mutum, e depois
relatar o que atraía a atenção de todos no nosso centro do mundo.
Muito tempo depois de ter
viajado quantum satis dentro e fora do País, continuo estranhando o grande
destaque da imprensa para fatos sem a mínima importância, quando outros
realmente importantes são inexplicavelmente omitidos no noticiário.
O leitor que acompanha minhas
crônicas já deve estar cogitando do meu tema real de hoje, pois até agora só
estou limando minhas flechas e calibrando a pontaria. Não o farei esperar, e
lanço chapadamente estas perguntas: Quais são os critérios para avaliar a
importância de uma notícia? Quem decide se será publicada ou não? Quando se
deve omitir uma notícia? Por fim, a dúvida atroz de quem escreve: Se disser o
que sei e penso sobre isso, será que perderei meu emprego?
A propósito desta última
pergunta, lembro-me de um diálogo do proprietário de uma grande revista (que já
saiu de circulação) com o seu redator-chefe:
— Por que você emitiu aquelas
ideias no editorial, sabendo a minha posição?
— Escrevi exatamente o que
penso.
— Quando você quiser publicar
a sua opinião, crie a sua própria revista.
Eis um critério cômodo para a
seleção das notícias: preservar o emprego.
Vários anos atrás, uma enorme
foto de primeira página ilustrou o aparecimento de um jacaré no poluído rio
Tietê, em São Paulo. Nem se via um jacaré, só as ondas concêntricas em torno de
um ponto onde talvez houvesse um jacaré. Que importância tinha esse réptil para
o jornal que se edita nas margens do Tietê? Na mesma edição, certamente fatos
de real importância foram omitidos ou relegados a segundo plano, mas não podia
faltar o assunto do dia naquela confraria jornalística.
Eis um critério infalível para
tornar-se piada entre os leitores.
Um fato de grande importância
colocou diante da revista americana Time a perspectiva de perder muitos
leitores. A revista já estava pronta para ser enviada, quando chegou a notícia
da derrubada de um avião da Korean Air Lines por artilharia russa, em plena
guerra fria. Em reunião de emergência, a diretoria decidiu inutilizar quatro
milhões de exemplares e reimprimir tudo, tendo aquela notícia como matéria de
capa. Não destacá-la, acarretaria prejuízo maior – a perda de prestígio.
Eis um bom critério para a
seleção das notícias: Não perder prestígio.
Decisão diferente dessa foi
tomada pela revista Veja, cuja diagramação é concluída na Sexta-feira à noite,
para ser impressa e distribuída no Sábado. Mas a manifestação do dia 15 de
março, no domingo seguinte, foi surpreendentemente numerosa. Não sei que turbulências
isso provocou dentro da redação, mas o fato concreto é que a edição seguinte só
mencionou marginalmente uma manifestação que muitos consideram um importante
divisor de águas no País. Ignorar um fato dessa magnitude? A mim isso parecia
impensável, mas aconteceu. Haveria outras opções para suprir essa falta, mas eu
não imaginaria que decidissem ignorar o acontecimento. Não creio estar fora da
realidade, concluindo que muitos leitores perderam em alguma medida o grau de
credibilidade que antes depunham na revista.
Eis um critério equivocado:
Revista semanal sonegar um comentário minucioso sobre notícia importante da
semana. O ombudsman acusaria: Veja não
viu.
Nestes poucos exemplos que
minha crônica comporta, chocam-se diversas gamas de interesses, desde o que
pensa um redator sobre a perda do emprego até o que pensaria todo o País ou
todo o mundo. Como ponderar tudo isso e publicar seletivamente, infalivelmente,
os fatos ou dados mais importantes? Como saber o que tem importância? O assunto
é complexo, e não me parece estar inteiramente resolvido nas cabeças que
decidem. Mas fica-me a impressão de que a pergunta mais constante, mais
abrangente, mais importante na cabeça dessas confrarias publicitárias, ao
avaliar uma notícia, é esta: Isso tem importância para mim e os meus amigos?
Caro leitor, veja a
coincidência: Desde aquele meu assunto da infância, até os fatos de alcance
mundial, os critérios habituais para a seleção das notícias não têm grande
variação: Isto interessa aos meus amigos?
Título, Imagens e Texto: Jacinto Flecha, ABIM,
8-4-2015
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