quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O imposto sobre janelas, à portuguesa

Helena Garrido

No Reino Unido o efeito do imposto sobre as janelas foi tirar a luz aos mais pobres e alterar a arquitectura. No novo IMI vamos tirar a luz e as vistas aos remediados.

Pagar impostos sobre o ar que respiramos, já faltou mais. O Governo lembrou-se agora de tributar o sol que apanhamos nas nossas casas e a vista que temos. É o nosso “imposto sobre janelas”.


Durou 156 anos. Entre 1656 e 1851 os britânicos pagaram um imposto sobre o número de janelas, um dos mais estudados tributos. Parecia genial. Era o máximo de equidade e eficiência. Os ricos tinham casas maiores, logo mais janelas, logo pagavam mais imposto. Justiça fiscal. A matéria colectável era facílima de determinar. Bastava contar o número de janelas. Eficiência total.

O imposto sobre as janelas é um dos melhores casos para se estudar a reacção aos incentivos dados por uma política económica. Nem eficiente nem justo, foram os resultados. Os ricos, com dinheiro para pagar a bons arquitectos e com poder, reduziram ao mínimo o número de janelas para o máximo de luminosidade. Quem deixou de ter a luz do dia foram os empregados, que ficaram com os quartos sem janelas. Nem justiça fiscal nem eficiência. O que o governo de sua majestade fez foi influenciar a arquitectura e contribuir para que os mais pobres tivessem pior qualidade de vida, com menos exposição à luz solar.

Por cá vamos ter a nossa versão de “imposto sobre as janelas”. O Governo resolveu alterar a fórmula de cálculo do Imposto Municipal de Imóveis (IMI) e tributar mais as casas com boa orientação solar (viradas para Sul) e aliviar aquelas que estão viradas a Norte. Assim como agravar os impostos sobre as habitações com uma boa vista ou terraços. Diz o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Fernando Rocha Andrade que de introduz assim maior “justiça fiscal”.

A partir de agora estão criados os incentivos para se passar a orientar as casas para Norte e assim pagar menos impostos. Teremos casas mais frias, com menos luz natural e assim teremos não só uma vida menos saudável como vai aumentar a conta da luz e do aquecimento para quem tiver dinheiro para isso. Lá se vai a justiça fiscal.

Já não bastavam os incentivos perversos de toda uma legislação para construção que expandiu as cidades de forma desordenada e desumana, com prédios uns em cima dos outros. Agora vamos ter os mesmos prédios mas virados para Norte.

Quanto às vistas e aos terraços, talvez fosse melhor verificar se não estamos a pensar numa minoria, sempre na óptica da versão “justiça fiscal”. Claro que se o nosso universo for a linha de Cascais, a tentação é dizer “os ricos vão pagar”. Mas há muita gente que vive em casas com o privilégio de uma boa paisagem que lá estão há décadas, pagando rendas a senhorios que apesar de todas as actualizações, estão onde do estereótipo de rico que imaginou quem fez a casa.

Na versão Rocha Andrade de “imposto sobre as janelas” quem vai pagar são os do costume, a classe média, aquela que já paga a maioria de todos os impostos. Pior do que isso, o Governo acabou de reforçar os incentivos para a construção de baixa qualidade. E com o novo quadro legal do IMI vai degradar a nossa qualidade de vida.

No Reino Unido o efeito do imposto sobre as janelas foi tirar a luz aos mais pobres e alterar a arquitectura. No novo IMI vamos tirar a luz e as vistas aos remediados. Só os ricos passam a conseguir ter sem problemas casas viradas a Sul, com bons terraços e boas vistas. Para os outros que queiram poupar no IMI, ficam as casas viradas para o frio e escuro Norte e as vistas de cemitérios, lixeiras ou ETAR.

Chama a isto, o Governo, “justiça fiscal”. Tão justo como o imposto dos ingleses sobre as janelas.
Título e Texto: Helena Garrido, Observador, 4-8-2016

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