João Miguel Tavares
A linha dura do PCP limita-se ao foro
internacional, onde parece estar preservado em formol. Contudo, quando vem para
dentro, o comunismo do PCP engole um Lexotan.

O PCP para consumo externo diz
infindas barbaridades, daquelas que parecem incompatíveis com o apoio ao
governo de uma democracia liberal, como é a portuguesa. Toda a gente tem falado
muito da posição do Partido Comunista em relação ao caos na Venezuela, mas há
muitos outros exemplos de extremismos impenitentes e saudosamente soviéticos.
Vejam o que o PCP escreveu sobre a condenação de Lula: “A indigna condenação em
primeira instância do ex-presidente Lula da Silva pelo Juiz Sérgio Moro
consubstancia um processo eminentemente político, parte integrante e
indissociável do golpe de Estado institucional que determinou a destituição da
Presidente Dilma Rousseff no ano passado e que continua em curso no Brasil.”
Isto demonstra um
extraordinário desrespeito pela separação de poderes. Para defender Lula o PCP
arrasa, sem problemas, com a independência de todo o sistema judicial
brasileiro. E, no entanto, em Portugal o PCP jamais se atreveria a propagar
semelhantes opiniões. Pelo contrário. Sempre manifestou respeito pela separação
de poderes, e tem nesse campo uma posição até muito institucionalista: não
ataca juízes, não maltrata a comunicação social e costuma ser bastante moderado
nas críticas ao Presidente da República.
Uma visita ao site do PCP
ajuda a clarificar o meu ponto. O site está disponível em duas línguas,
português e inglês. Em inglês, o PCP celebra o centenário da “October
Revolution” e anuncia em grande plano: “Socialism – necessary today and for the
future”. Na versão portuguesa, a Revolução de Outubro eclipsa-se e a página de
abertura é ocupada com a promoção da Festa do Avante, em modo 100% capitalista:
“Entrada Permanente à venda – 23 euros até 31 de agosto – Compra já”. Poderia
perfeitamente ser a homepage do Vodafone Paredes de Coura. Até o vermelho é o
mesmo. Quando se clica em “compra já”, somos direcionados para a Ticketline,
que está alojada no Sapo. Ironia das ironias: a Festa do Avante até dá dinheiro
à horrível Altice. Eis os comunistas portugueses de mãos dadas com o grande
capital.
A navegação pelo site do PCP é
uma experiência não só divertida, mas também repousante (admito: o meu coração
vermelho está a cair naquela complacência com os comunistas que aqui critiquei
há um mês). O PCP é geralmente apresentado como um partido muito conservador e
petrificado – mas será mesmo? Tenho cada vez mais dúvidas. Debaixo do fato de
dinossauro político há uma plasticidade ideológica que explica em boa parte
porque é que os Partidos Comunistas desapareceram em toda a Europa, mas não em
Portugal. A linha dura do PCP limita-se ao foro internacional, onde parece, de
facto, estar preservado em formol. Contudo, quando deixa o lá fora e vem para
dentro, o comunismo do PCP engole um Lexotan. Democratiza-se e capitaliza-se.
Qual das suas duas faces é a mais verdadeira? Essa é a questão do milhão de
rublos.
Título e Texto: João Miguel Tavares, Público,
5-8-2017
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