Ana Paula Henkel
Depois do Brasil ter parado,
literalmente, e enfrentado dias venezuelanos devido à greve dos caminhoneiros,
o país começa a voltar ao normal nas estradas e rodovias, mas não nas redes
sociais. As vias virtuais continuam tumultuadas, motoristas ainda exaltados e
muitos dirigindo embriagados. Se beber, não dirija nem use as redes sociais,
vai dar PT.
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Declaração de Independência dos EUA, quadro de John Trumbull, 1819 |
Num sermão proferido em 1750
em Boston, o pastor graduado em Harvard, Jonathan Mayhew disse: “nenhuma
taxação sem representação” (“no taxation without representation”), frase que
logo se tornou um bordão na costa americana banhada pelo Atlântico. Anos mais
tarde, também em Boston, a frase ecoava como fonte de inspiração para os
colonos da coroa britânica através de James Otis, um político local, que a
adaptou para “taxação sem representação é tirania”. Os colonos americanos
acreditavam que, como cidadãos britânicos, não estavam suficientemente
representados no parlamento londrino e que, portanto, este não teria
legitimidade para governar a colônia. A coroa britânica estava longe de ser um
império totalitário e ditatorial para os parâmetros da época, mas com os
elevados gastos das guerras travadas contra a França entre 1754 e 1763 houve a
necessidade de fazer caixa e a colônia era vista como um enorme caixa
eletrônico para saques.
Muitas decisões unilaterais foram
tomadas pela Inglaterra, chegando às “Leis Intoleráveis” de 1774 que tornaram a
Guerra de Independência inevitável. O que diferencia a Revolução Americana de
praticamente todas as outras, especialmente da Revolução Francesa ocorrida
poucos anos depois, é que em vez de rios de sangue nas ruas, cabeças
guilhotinadas e todo tipo de barbárie bestial contra tudo e todos, os Pais
Fundadores da América entenderam que estavam sendo tratados injustamente como
súditos de segunda classe do Rei e que precisavam de um plano bem executado
para se libertarem das injustas imposições da coroa britânica.
O que seu viu, então, foi uma revolução baseada em ideias, conduzida por gigantes intelectuais e morais da história, que se rebelaram contra uma “quebra de contrato” da coroa britânica e que buscou, com inigualável sucesso, recriar na ex-colônia uma sociedade nos moldes da pátria-mãe, mas longe da tirania de um monarca específico. A América não queria “enforcar o último rei nas tripas do último padre” como os jacobinos franceses, muito pelo contrário, como se provou na Declaração da Independência, no Bill of Rights e na Constituição promulgada pouco depois.
O que seu viu, então, foi uma revolução baseada em ideias, conduzida por gigantes intelectuais e morais da história, que se rebelaram contra uma “quebra de contrato” da coroa britânica e que buscou, com inigualável sucesso, recriar na ex-colônia uma sociedade nos moldes da pátria-mãe, mas longe da tirania de um monarca específico. A América não queria “enforcar o último rei nas tripas do último padre” como os jacobinos franceses, muito pelo contrário, como se provou na Declaração da Independência, no Bill of Rights e na Constituição promulgada pouco depois.
John Adams, George Washington,
Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, entre outros seres realmente iluminados e
únicos, queriam um país com governo controlado, cidadãos livres para buscar a
própria felicidade sem a intermediação, controle, ingerência ou supervisão da
burocracia estatal. O resultado foi a sociedade mais próspera e bem-sucedida da
história da humanidade, enquanto os jacobinos criaram O Terror, abriram o
caminho para a ascensão de Napoleão e de uma perda de protagonismo da França
com consequências até os dias de hoje.
As conquistas da Revolução
Americana foram únicas porque seus ideais, métodos e valores eram igualmente
únicos, daqueles que nós, apenas quatro anos antes do bicentenário da nossa
própria independência, poderíamos estudar e relembrar um pouco mais antes de
citar como exemplo de insubordinação ou desobediência civil. Comparar a
Revolução Americana com a Revolução Francesa ou qualquer outra revolução
promovida por líderes carismáticos contra “tudo isso que está aí” é como
comparar o trabalho de um lenhador sério com “O Massacre da Serra Elétrica”.
A natureza humana traz dentro
de todos nós um Robespierre e um John Adams, cabe a cada um decidir qual voz
interna falará mais alto. Sou filha de pais professores, classe sufocada e
desprezada em quase todos os governos, entendo perfeitamente e me solidarizo
com o drama de toda categoria profissional brasileira que se encontra presa
numa cadeia de regulações insanas, impostos extorsivos e reféns dos burocratas
e políticos insaciáveis que devoram quase metade de tudo que o brasileiro
produz, sem devolver praticamente nada à sociedade. A sensação é de verdadeira
“taxação sem representação” e isso tem que mudar, e para ontem, ou o país do
futuro será sempre o lupanário do atraso ideológico, político e econômico. No
entanto, como meu saudoso pai dizia, e como em tudo na vida é importante que se
diga, os fins nem sempre justificam os meios.
Se mudar o país utilizando as
instituições democráticas é lento e com resultados incertos, quebras
institucionais levam sempre a mais problemas do que aqueles que diziam querer
resolver. O Brasil já está na sua sétima Constituição e não é exatamente comum
na nossa história que um presidente eleito, que tenha recebido o governo de
outro eleito, passe a faixa para um sucessor também eleito. Sem continuidade e
estabilidade, sem o império das leis, como ingleses e americanos nos mostram há
séculos, não há escapatória. Nas estradas e na democracia, não existem atalhos.
A falta de liderança e
autoridade de um governo fraco, que hoje entregou a cabeça de Pedro Parente e
as joias da coroa num fim melancólico de mandato, mesmo que com alguns bons
resultados na economia, é uma carniça que sempre atrai os abutres, nas estradas
da política e nas vias das redes sociais, mas cabe a cada um de nós,
especialmente os que se auto intitulam conservadores, que as paixões
revolucionárias do momento possam ser refreadas em função do senso comum e do
bem estar de todos os cidadãos que sofreram e ainda estão sofrendo com o caos
provocado pelas paralisações. Não é possível socializar prejuízos em nome de
pautas privadas e ainda se dizer liberal, pelo menos no sentido clássico da
palavra.
Lênin, Fidel, Che, Pol Pot,
Mao e até Robespierre podem inspirar os sonhos de intelectuais e até de
políticos oportunistas, mas são os prudentes, sábios, legalistas e morais da
Revolução Americana que devem servir de exemplo para qualquer democrata. O
preço da gasolina está caro, mas o custo de uma revolução baseada no caos é
ainda maior, como estamos cansados, mas muito cansados de saber.
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