Aparecido Raimundo de Souza
Luiz de Camões, Poeta português, autor de Os Lusíadas.
CAROS
AMIGOS,
vamos mostrar a vocês, como manter uma união estável e consolidada entre duas
pessoas completamente diferentes, mas que, acima de tudo, se amam
apaixonadamente. Perdidamente, se encaixaria melhor. Sabrina Verônica minha
adorada e lindíssima esposa, conta vinte e três anos incompletos e eu sessenta
e cinco cravados. Apesar dessa disparidade galopante de janeiros nos damos
maravilhosamente bem. Em todos os sentidos. A ponto de jamais imaginarmos que o
que nos corre nas veias não passa de uma falcatrua suja que nos impuseram para
obtermos a continuidade de nossa espécie.
Acreditamos piamente que na face da terra não exista uma
criatura sequer que possa afirmar, categoricamente, sem medo de errar, não
termos sido feitos um para o outro. Em verdade, nos tornamos unha e carne, meia
e sapato, garfo e faca, chave e fechadura, relógio e ponteiro, pulga e
cachorro, palhaço e circo. Perfeitos perante a sociedade e, igualmente, aos
olhos maviosos de Deus. O nosso amor é o triunfo da imaginação prevalecendo
sobre a inteligência de nossas almas em festejos imutáveis.
Para início de conversa, devemos esclarecer que a partir do
dejejum matinal nossas vidinhas de aventuras e sucessos se fazem presentes.
Reparem. Sentamos confortavelmente como dois pombinhos afogueados, estimulados
pela queimação da paixão desenfreada e sem limites. Olhem que meigo! Ela na
ponta da mesa se assemelha a uma deusa do Olimpo, enquanto eu, na cadeira de
balanço no hall de televisão assistindo ao noticiário da primeira hora, me
sinto como um animal enjaulado e em extinção vivendo num zoológico
nefasto.
As nossas noites, em vista desse quadro, são inesquecíveis,
abrasadas. Calientes, salientes, eloquentes até dizer chega. Por volta das oito
horas, tomamos banho juntos num jogo de risadinhas e sobressaltos. Ela na
banheira da nossa suíte, eu no chuveiro frio e furreca da empregada.
Evidentemente não poderia faltar a melhor parte. A alcova. A hora inebriante de
fazemos amor. De igual forma, nos agarramos, nos incendiamos juntos, corpos
suados, os desejos se expondo em fogo cremado, ambos em desenfreada
efervescência. O nosso amor é como uma lâmpada aclarando a escuridão e preenchendo
todos os vazios existentes.
Sem isso, vamos convir e vocês nos darão total razão, sem a
cama macia e perfumada, sem os apetrechos que a guarnece para noites
inolvidáveis, o nosso coexistir diário sob o mesmo teto não seria completo.
Ficaria descaracterizado, vazio, oco, sem razão. Quando partimos para o bem
bom, ou seja, quando resolvemos dividir os mesmos espaços na horizontal, a
briga acirrada entre lençóis e travesseiros, fronhas e edredons não tem limites
nem fronteiras. Ela fica com o colchão macio e eu levo o estrado para os
aposentos dos hóspedes.
Nessa hora, entra em cena o Menininho Careca. Vamos tentar
ser mais sucintos. Menininho Careca é um vizinho nosso (porta com porta, olho
mágico com olho mágico, capacho com capacho), de igual idade da Sabrina
Verônica, que pinta no pedaço furtivamente e faz a minha cara metade dar gritos
e urros de prazer. Quanto a mim, não deixo por menos. Nem poderia. Grito também
e berro feito um desmiolado. Encaro uma boneca de látex inflável do tamanho
exato de minha consorte (as duas até se parecem fisicamente, pelo menos no
cabelo e no olhar), que comprei no mercado livre, em dez suaves prestações sem
juros.
Batizei a geringonça de Alice Estepe. Optei pelo nome,
porque Alice, puts grilo!, Alice Estepe me faz sentir no país das maravilhas.
Ainda faltam umas três ou quatro mensalidades para acabar de pagar. Nossas fogosas relações, prezados amigos, são
espantosas. Alice Estepe faz barba, cabelo, bigode, cavanhaque e, se duvidar,
pés e mãos em evoluções Cyber Skyns. Basta ter o controle dos dedos em seus
buracos e orifícios considerados excitantes. O mais importante. Alice Estepe
nunca reclama se explodo antes dela alcançar o clímax. Lado outro, o CD interno
com gemidos e suspiros guturais não falha nunca.
Dia seguinte depois de horas de sexo fabuloso noite adentro,
do café completo servido pela insuperável Silvinha (nossa secretária do lar),
como todo casal primoroso, eu e minha linda Sabrina Verônica vamos para o
trabalho de carro. Sempre. Ela no meu, com meu chofer particular, e eu de UBER,
para não atrapalhar as leituras dos processos cíveis que revisa durante o
percurso. Geralmente, em face de nossos trabalhos possuírem horários
desprovidos de tempo e espaço para regresso (somos advogados associados autônomos)
almoçamos um ao lado do outro. Não é lindo?
Ela com o meu sócio Alberico Taborda do escritório e eu,
sozinho, num cantinho afastado bem lá nos fundos do restaurante, tentando
fisgar, ao menos, um resfriado com ventos de través. Nos finais de semana, como
dois eternos enamorados, pegamos um cineminha no shopping. Nada melhor para
recarregar as baterias e unir um casal extremamente combusto e sentimental.
Uma dupla como nós, deve sempre, haja o que houver celebrar
o amor, notadamente quando ele é grandioso e inimitável. Para não cairmos na
rotina, assistimos a um filme novo recentemente entrado em cartaz. Sabrina
Verônica acorre à seção no cinema da esquerda e eu na sala de projeção da ala
da direita. Verônica sempre se mostrou esquerdista, apesar de não termos nenhum
candidato em especial. Comemos pipocas no mesmo saco gigante. Geralmente ela me
entrega o pacote vazio, na saída, pronto para ser atirado na primeira lata de
lixo que pintar pela frente.
Antes de voltarmos para casa, se torna imprescindível
passarmos na praça de alimentação. Não há lugar melhor para confraternização
após um filme chato. Pelo menos o meu foi uma merda. Só nos falamos, sem
fugirmos do assunto, na hora em que preciso pagar a conta. Meu cartão é um
excelente elo entre nós. Após isso, cada um escolhe um cantinho o mais distante
possível um do outro. Vamos embora, claro, de braços dados. No mais alto papo
entre um casal de cônjuges e amantes, que se adora e se prostra em inusitadas
venerações. A toda hora, em qualquer lugar, o amor, o nosso querer maior, não
deixa de dar mostras da sua vitalidade e parceria.
Minha amada segue, pois, para o estacionamento do shopping,
com uma amiga de última hora (geralmente essas amigas de supetão, de surpresa,
aparecem do nada, sabem como?) e eu, assinalo para um taxi e me sento no banco
traseiro. Durante o percurso, com o celular, tento acertar uns bonequinhos
idiotas de um joguinho qualquer ou para variar o cardápio, finjo ser fera no
xadrez adversariando com um fantasma baixado do “Play Store” que nem sei
direito como manusear.
Eu e a estupenda Alice Estepe, perdão companheiros, eu e a
estupenda Sabrina Verônica, nunca pensamos em nos separar. Jamais! Fora de
cogitação essa história de um para cada lado, feito dois pra lá, dois pra cá do
Aldir Blanc. Tudo o que é meu é dela e tudo o que é dela, pertence a uma
filhota de cinco anos, a Gabriely. Gabriely foi uma barriga de produção
independente programada que ela arranjou um ano antes de me conhecer e casarmos
como manda o figurino.
Graças a Deus, o suposto pai da menina morreu. Não posso
reclamar. Afinal de contas, não aturo a beldade. De vez em quando a donzelinha
vem para uns dias. No máximo, três ou
quatro. Afora isso, a avó materna, minha sogra do peito, é quem segura à
peteca.
Nos finais de semana, em casa, com ou sem a filhinha dela,
dispensamos a empregada. Silvinha também precisa de umas folgas. Quando não
temos nada programado, nenhuma saída para reuniões com colegas clientes ou
amigos, ajuntamentos regados a churrasquinhos e bebidas, andamos completamente
pelados pelo apartamento. Sabrina Verônica, nua como veio ao mundo. Eu, de
terno e gravata, caso precise sair correndo para soltar alguém que se encrencou
em uma dessas delegacias de periferia.
Pelo pequeno exposto, caros e diletos amigos, devemos
concluir que nada se interpõe entre dois corações que batem na mesma sintonia
de paralelos e meridianos. Em senda idêntica, meus roncos não atrapalham o silêncio
das suas quimeras mais picantes, meus peidos não fedem, nem afetam o ar puro do
aparelho condicionado que a minha estimada respira. Meu mau hálito não comunga
em contrário, para que a princesa da minha vida, enfezada ou chateada, tenha
que se virar para o canto e ficar de bundinha empinada para o volume fracassado
dos meus pendurados.
No geral, repetindo o dito e redito, somos um casal
abençoado e feliz, extremamente idolatrado pela felicidade. Como esses dois
japoneses simpáticos que aparecem no vídeo.
Acima de tudo, somos livros abertos sem folhas faltosas. Nos
respeitamos, nos acatamos, nos honramos. Traição, jamais. Mentiras, idem.
Vivemos em paz. Em harmonia constante, em comunhão perfeita com tudo o que nos
dá e nos faz sentir um regalo enorme e um prazer indescritível de estarmos
juntos, caminhando, ombro a ombro, apesar das quarenta e duas injustas
diferenças que (vez em quando), tentam se intrometer entre nós como nuvenzinhas
negras bagunçando o infinito aprazível e deleitável sobre nossas cabeças.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista. De São Paulo, Capital. 29-6-2018
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A realidade nem sempre é agradavel,contudo as palavras são fiéis e verídicas .
ResponderExcluirEstamos no rumo!!!
Tiago de Souza
Ah essa historinha de o amor! Tão linda...tão...nhã...tão...D O C E! é de dá inveja! (pena que é somente uma "historinha")
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