Rui Ramos
Não é preciso ser racista ou xenófobo para
ter dúvidas sobre as causas e as consequências do afluxo descontrolado de
pessoas à Europa nos últimos anos.
Os governantes europeus estão
reunidos. Têm muito para discutir, mas só uma coisa, segundo Angela Merkel,
verdadeiramente importa: a imigração. Primeiro no norte da Europa, mas agora também
no Sul, a imigração está a provocar as maiores convulsões partidárias desde a
Segunda Guerra Mundial. Foi aliás a imigração, e não a austeridade do Euro, ao
contrário do que se esperava, que provocou a primeira cisão europeia, com um
referendo inglês realizado sob a impressão da “crise dos refugiados” do ano
anterior. Posto isto, a imigração é um tema ingrato.
Por vezes, parece que levantar
a mínima dúvida ao direito de toda a humanidade desembarcar na Europa é
necessariamente um sinal de racismo ou xenofobia. No entanto, não é preciso ser
racista ou xenófobo para ter dúvidas sobre as causas e as consequências do
afluxo descontrolado de pessoas à Europa nos últimos anos.
A causa estrutural dessa
circulação descontrolada de pessoas é obviamente o desnível de bem-estar e de
segurança entre regiões muito próximas, como acontece entre a Europa ocidental
e a África e o Médio Oriente, ou entre os EUA, o México e outros países
latino-americanos.
Mas a causa imediata, como se
viu em 2015, depois de Angela Merkel ter declarado a Alemanha aberta à migração
do Médio Oriente, é outra: a percepção de que as fronteiras dos países
ocidentais não estão defendidas e de que quem as conseguir atravessar
ilegalmente terá acesso garantido a riquezas e confortos míticos. É isto, e não
apenas a guerra, que explica que tanta gente corra tantos riscos através de
desertos, rios e mares. É isto, e não apenas a pobreza, que explica porque há
um tão grande negócio à volta do tráfico de pessoas entre a Europa e a África.
Enquanto as fronteiras não
inspirarem respeito, não valerá a pena discutir políticas de migração, porque a
ausência de fronteiras anula quaisquer políticas de migração.
Vamos entender-nos: o problema
não é a circulação de pessoas ou a diversidade das populações. A Europa só tem
a ganhar com a passagem ou a fixação de pessoas do resto do mundo. Uma
sociedade não tem de ser composta de gente toda idêntica entre si, com as mesmas
ideias e os mesmos gostos – a maior parte das sociedades europeias, aliás,
foram, ao longo de grande parte da sua história, religiosa e culturalmente
diversas. Não é isso que está em causa, mas a capacidade atual da Europa para
assimilar ou integrar devidamente, sem alarmes ou conflitos sociais graves, o
afluxo ilegal e descontrolado de massas de jovens pouco qualificados. É
legítimo duvidar dessa capacidade.
As economias europeias não têm
o dinamismo suficiente, os seus Estados sociais não dispõem dos recursos
necessários, e às suas culturas faltam a convicção necessária para proporcionar
referências estáveis às novas comunidades. Por isso, a probabilidade de as
massas de imigrantes ilegais transformarem a Europa é muito mais elevada do que
a probabilidade de serem transformadas pela Europa.
A primeira consequência do
descontrole fronteiriço pode ser assim, não uma diversidade saudável, porque
enquadrada por princípios comuns, mas divisões e hostilidades susceptíveis de
inspirar lapsos generalizados de humanitarismo.
Há na Europa demasiadas
organizações interessadas em usar os migrantes ilegais para contestar e
repudiar tradições ocidentais, tal como há muitos movimentos tentados a
explorar o caos migratório para provocar revoltas “nativistas” contra os sistemas
políticos. É a esses, como se tem visto, que a crise das migrações melhor
serve. Se não queremos ver nascer monstros, não devemos cultivar as suas
sementes.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
29-6-2018
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