Ruth Manus
Se há um país onde as cores deveriam tomar
as ruas, escolas e bares, era Portugal, tão verde e tão vermelho. Se há um país
que não deveria ter vergonha da sua camisa, esse país era Portugal.
Era sexta-feira, 15 de junho, dia do primeiro jogo de Portugal neste Mundial. Ao vestir minha enteada para ir para a escola, perguntei se ela não queria ir com a camisa de Portugal. Ela, surpresa, me disse que não, que tinha que ir com o uniforme normalmente. Fiquei surpresa pois, crescendo no Brasil, sei que dia de jogo do meu país é dia no qual é terminantemente proibido não sair de casa de verde e amarelo. Ainda assim, quando fui prender os cabelos da miúda, escolhi os elásticos vermelhos e os ganchos verdes para representar o país. Ela ficou contente.
Ao sair para as ruas, imaginei
que pelo menos os adultos estariam, senão com a camisa da seleção portuguesa,
pelo menos vestidos de verde ou de vermelho - como eu mesma estava. Nada disso.
Parecia um dia como qualquer outro, todos vestidos normalmente, exceto uma ou
outra camisa vermelha que poderia perfeitamente ser uma coincidência.
Mais tarde, antes de buscar a
miúda na escola, passei numa loja para comprar uma bandeira de Portugal e uma
buzina. Esperava que o movimento de torcida fosse crescer no fim da tarde, mas
nem por isso. Chegamos à casa dos amigos na qual íamos assistir ao jogo e
ninguém estava uniformizado. O jogo iniciou e não havia barulho de foguetes,
nem de cornetas, nem de buzinas. Eu ficava cada vez mais desnorteada.
E Portugal jogou bem, muito
bem. Ronaldo, inspirado como sempre, marcou três vezes. Os amigos gritaram
junto comigo e nos abraçamos. Pelo menos senti esse alívio. Mas nada de
gritaria na vizinhança, nem de buzinaço após a partida. No dia seguinte
imaginei que as pessoas estariam com suas camisas para comemorar. Mais uma vez
fui surpreendida. Nada disso.
Eu poderia pensar que estou
habituada a um clima completamente diferente por ser brasileira. Ocorre que já
assisti a um Mundial na França e as ruas, lá, são tomadas pelas camisas azuis e
pelos gritos de “Allez les bleus”. Também já estive em Madrid no Mundial de
2014 e a cidade estava vermelha e amarela. Não se trata de uma patologia que
atinja apenas o Brasil.
Me pergunto o porquê dos
portugueses se comportarem dessa forma. Indiferença eu tenho certeza de que não
é. O país é louco por futebol, esbanja orgulho do Cristiano Ronaldo e ficou
radiante quando ganhou o Euro. Não me parece que nenhum dos 32 países que
disputam a taça do Mundo tivesse mais razões para torcer, se orgulhar e estar
confiante do que Portugal.
Mas não. A timidez impera
novamente. Parece que ninguém quer confiar demais, se expor demais ou gritar
demais. Ninguém estende bandeiras na janela, ninguém coloca bandeira na janela
do carro. Ah, Felipão, como eu te entendo agora. Se esse país soubesse o
tamanho que tem…
Acho mesmo uma pena. O prazer
de crescer num país onde somos treinados para confiar, para pintar o rosto e
para festejar é algo que não se paga. E a capacidade de continuar vestindo a
camisa e torcendo depois de adulto também não. Mesmo na fase de lamentável que
o Brasil atravessa. Mas, honestamente, se há um país onde as cores deveriam
tomar as ruas, escolas e bares, era Portugal, tão verde e tão vermelho. Se há
um país que não deveria ter vergonha da sua camisa, esse país era Portugal.
Quem sabe na próxima fase. Veremos.
Título e Texto: Ruth Manus, Observador, 23-6-2018
Título e Texto: Ruth Manus, Observador, 23-6-2018
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