Helena Matos
Nos anos 70 trauteavam “A África é dos
africanos." Agora se pudessem despovoavam essa mesma África para através
da imigração alimentarem o ativismo do ressentimento.
O Aquarius já
foi. Agora temos o Lifeline: a bordo do navio que está nas proximidades
de Malta e tem capacidade para 50 pessoas estão 230. As provisões esgotam-se
nas próximas horas.
À espera de porto de destino
está nas proximidades da Sicília o Alexander Maersk: a bordo estão
113 pessoas.
Sem nomes que as distingam
umas das outras, dezenas de pateras trouxeram para Espanha nas últimas 24 horas, 769 pessoas.
… A lista está em permanente
atualização. As palavras também. Ora lhe chamamos refugiados. Ora migrantes.
Ora imigrantes. São na sua maioria pessoas transportadas por traficantes até à
costa do norte de África. Aí novas máfias embarcam-nos com destino à Europa. Em
seguida, navios das ONG e equipas de salvamento dos países europeus resgatam
essas embarcações e trazem para solo europeu os seus ocupantes. (Sim, as máfias
sabem que não precisam de se preocupar com o resto da viagem: alguém há de
recolher a carga de que se desembaraçaram.)
Sendo certo que do ponto de
vista do acolhimento é muito diferente que sejam considerados refugiados ou
imigrantes, essa destrinça é cada vez mais difícil. Seja como for, como
portuguesa não me surpreende nem choca, antes pelo contrário, que se veja na
emigração económica uma saída para a vida de cada um e das suas famílias. Aliás
se deixarmos de lado as questões associadas aos traficantes, o problema não
está na emigração nem nos emigrantes. Está sim naquilo que se espera deles. E
aí chegamos a um dos momentos charneira nesta questão: quando na Europa o muro
de Berlim foi deitado abaixo pelo povo, o sonho da sociedade sem classes foi
substituído pela utopia do multiculturalismo. Consequentemente a imigração
deixou de ser a circunstância de uns milhões de portugueses, turcos, espanhóis,
gregos e italianos tão falhos de consciência política que em vez de combaterem
o capitalismo migravam para os países onde ele mais se tinha desenvolvido, para
se tornar na gesta de sudaneses, iraquianos, nigerianos, sírios, paquistaneses,
senegaleses, marroquinos… a que há que acudir, resgatar, esclarecer sobre os
seus direitos e, não menos importante, excepcionalizar nas suas
diferenças culturais.
O problema não está, portanto,
na imigração e nos imigrantes, mas sim na mudança de tática daqueles que no
século XX sonharam levar a revolução via descolonização ao mundo e que agora se
dedicam ao ativismo nos subúrbios das suas cidades: para eles a imigração é a
nova revolução.
O ressentimento é o
combustível da luta já não de classes, mas sim da luta das comunidades
minoritárias contra o poder burguês, branco e masculino.
Assim os mesmos que se viram
libertadores das opressões coloniais nos anos 60 e 70 e trauteavam versos como
os da canção “Independência” de Sérgio Godinho “A África é dos africanos/ Já
chega quinhentos anos/ Já chega quinhentos anos/ A África é dos africanos.
/Quem diz que sim quem diz que não/ Quem diz que sim quem diz que não/ São os
movimentos de libertação/ São os movimentos de libertação” se pudessem
despovoavam agora essa mesma África e os demais continentes para através da
imigração continuarem a renovar a matéria prima dos seus ativismos e do seu
enquistamento no Estado.
Como sempre acontece,
determinam o que se pode ou não discutir e em que moldes. No caso da
imigração oficialmente tudo se resume a uma luta entre o bem que obviamente
defende uma política de abertura total de fronteiras e o mal que é
anti-imigração. A não ser que a realidade o imponha não se fala do aumento da
criminalidade nas zonas onde se instalaram grandes grupos de
imigrantes/refugiados (no caso sueco os desmentidos governamentais das notícias e a
publicação de novas notícias produz uma espécie de telenovela);
escamoteiam-se os factos até que o óbvio se impõe: após anos a subestimar os
ataques sexuais nos festivais de música – para não referir que os seus autores
eram jovens migrantes –, a Suécia viu ser cancelado o maior festival do país; persegue-se quem
denuncia a impunidade gozada por grupos de imigrantes como aconteceu em
Inglaterra nos casos de abusos sexuais praticados em Telford e Rotherham.
Não se investigam dados
anómalos nestas vagas de imigração: por exemplo, porque vêm tantas crianças
sós? Será verdade que dois terços dos migrantes que em Calais se apresentavam como crianças já eram na realidade adultos?
Esta perspectiva ideológica da
imigração leva a que se subestimem factos incontornáveis: mais do que um
imigrante ser legal ou ilegal o que conta para a opinião pública na apreciação
que faz da sua presença é se ele respeita ou não as leis e os costumes do país
para o qual migrou e se vai ou não sobreviver com ajudas estatais.
Goste-se ou não, há que ter em
conta que receber imigrantes/refugiados num país tolerante com estado social
não é um elemento neutro nesta operação. Ou será que já esquecemos que os
milhares de portugueses que no século passado migraram para a França ou
Alemanha o fizeram muitas vezes de forma clandestina? Eles fugiram à polícia.
Eles não tinham papéis. Mas há que acrescentar que a sua integração nesses
países não foi feita através do estardalhaço de grupos de ativistas, mas sim do
mercado de trabalho. E que não tendo abdicado da sua cultura respeitaram a dos
países que os acolheram.
E aqui deparamos com o grande
paradoxo desta questão: mal ou bem durante décadas os políticos das democracias
propuseram-se resolver os problemas dos povos. Neste momento, os políticos
entendem que os povos têm os problemas que eles políticos determinam que
existem.
Eles não governam. Animam
miragens. O que sobra então? O segredo das urnas de voto.
Oficialmente a miragem funciona até que um resultado eleitoral a desfaz. Mas em
vez de se tentar perceber o que levou o povo a votar assim, logo a esquerda da
superioridade moral mais o jornalismo de causas partem para a retórica do
populista que foi eleito, do anti-imigração que venceu, do racista que não sei
quê… Pressurosa a direita que não é direita mas tão só não é de esquerda
repete-lhe os argumentos. De caminho conta-se mais uma historieta sobre o Trump
que ora está zangado com a Melania ora lhe dá a mão!!!
E assim se continua até às
próximas eleições. Até ao novo populista…
OS: O
que fazer quando um serviço público se degrada? Põe-se à discussão um a lei
perfeita sobre a imensa perfeição que vai assegurada por esse serviço. Que
obviamente seria ainda mais perfeito se pagássemos mais impostos. A
anunciada discussão da lei de bases da saúde quando o SNS está à beira da
ruptura é um bom exemplo dos serviços públicos em tempos de propaganda: não se discute a
realidade, anuncia-se um futuro radioso e se necessário culpam-se os
suspeitos do costume, os privados, pelo descalabro do SNS.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
24-6-2018
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