Tivemos o medo da epidemia; temos agora o
medo da recessão. Eis como esperam enxotar-nos para a rua: assustando-nos outra
vez, tal como nos assustaram há um mês para nos fechar em casa.
Rui Ramos
Há uma semana, era Trump.
Agora, é quase toda a gente a explicar-nos que é preciso abrir a economia – as
lojas, os escritórios, as fábricas, os transportes que os governos encerraram
há um mês. Enquanto foi só Trump, era uma loucura: como é que poderíamos voltar
à rua antes de haver vacina? Agora, quando até o governo do PSOE e do Podemos
se juntou ao coro, tornou-se uma questão de sensatez: como é que seria possível
manter tudo fechado até haver vacina, daqui a um ano? Bem vindos, portanto, ao
novo consenso, e tratemos de fingir que Trump nunca disse o mesmo.
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Lisboa, 20-3-2020, foto: Reuters |
Resta aos governos um recurso:
precisamente o mesmo que usaram para impor a quarentena – o medo. O medo fez as
pessoas ficarem em casa, o medo as fará sair à rua. É só mudar o cavaleiro do
Apocalipse. Tivemos a Peste; teremos agora a Fome. Tivemos as curvas
exponenciais da epidemia; teremos agora as profecias do FMI, a ameaçar os
“confinados” com o défice, a dívida, e o desemprego da “maior recessão desde os
anos 30”. Não interessa agora que “a maior recessão desde os anos 30” tenha
sido um título outorgado a todas as recessões desde os anos 30. É assim que as
autoridades esperam enxotar-nos para a rua:
assustando-nos outra vez, tal como fizeram há umas semanas para nos
fechar em casa.
Perguntar-me-ão: e não há
razões para a apreensão? Há, certamente. E a maior de todas é, por entre o
nevoeiro das estatísticas diárias, sabermos muito pouco sobre o que se está a
passar. Quantas pessoas estão infectadas, uma vez que há quem não tenha
sintomas? Por que é que uns infectados passam por aflições, e outros nem sequer
têm queixas? Qual a causa das diferenças, não apenas entre idades, mas entre
sexos e entre regiões (nos EUA, por exemplo, entre Nova Iorque e a Califórnia)?
Por tudo isto, não é descabido perguntar se a quarentena generalizada terá sido
a melhor opção para enfrentar o vírus. Dizem que achatou a curva. Mas não se
teria obtido o mesmo resultado com o uso de máscaras, distanciamento físico, e
isolamento das regiões mais castigadas, reservando o confinamento para os mais
velhos? Uma grande parte dos mortos, em Portugal e em outros países, são
residentes de lares de idosos. Medidas específicas para essas situações não
teriam sido mais eficazes a evitar mortes?
Além das vítimas do vírus,
teremos um dia de contar as vítimas da quarentena, como as que podemos
antecipar pela queda das taxas de vacinação ou pela diminuição da frequência
dos hospitais. Por que não foi possível dar uma resposta flexível e
inteligente? Inicialmente, ninguém levou muito a sério mais um surto na China.
Sob governos “iluminados”, houve carnaval em Itália, manifestações em Espanha e eleições em França. Depois, perante a possibilidade de colapso dos serviços públicos de saúde, optou-se pelo terror. Ninguém no poder sentiu autoridade para mais, diante de um público há muito desconfiado e dividido.
Onde falta crença e respeito, o medo é de facto o último meio de persuasão. Acontece, porém, que um ambiente de susto e de sobressalto, onde a discussão deixa de ser “patriótica”, é também o menos propício à inteligência e à flexibilidade. E talvez tivesse sido preciso alguma discussão, bastante flexibilidade e muito mais inteligência.
Sob governos “iluminados”, houve carnaval em Itália, manifestações em Espanha e eleições em França. Depois, perante a possibilidade de colapso dos serviços públicos de saúde, optou-se pelo terror. Ninguém no poder sentiu autoridade para mais, diante de um público há muito desconfiado e dividido.
Onde falta crença e respeito, o medo é de facto o último meio de persuasão. Acontece, porém, que um ambiente de susto e de sobressalto, onde a discussão deixa de ser “patriótica”, é também o menos propício à inteligência e à flexibilidade. E talvez tivesse sido preciso alguma discussão, bastante flexibilidade e muito mais inteligência.
Título e Texto: Rui Ramos,
Observador, 17-4-2020,
3h35
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