quinta-feira, 23 de abril de 2020

A musa da quarentena gourmet


Rodrigo Constantino

Por trás dos fenômenos Trump, Bolsonaro e Brexit está, como um dos fatores, o enorme abismo que se abriu entre a realidade da elite cosmopolita "liberal" e o povo lá fora. Quem vive na bolha "progressista" perdeu qualquer contato com a realidade do povão, e por isso foi incapaz de antecipar ou mesmo compreender as vitórias dos três.

Diante da ameaça do coronavírus, esse abismo se estendeu mais ainda, provavelmente de forma intransponível. Enquanto o povo, desesperado, pensa no que vai fazer para sobreviver, e teme pelo pior, uma turma da elite troca figurinhas nas redes sociais sobre filmes, séries e músicas na quarentena, repetindo a hashtag "fiquem em casa", como se todos pudessem apelar para o home office ou tivessem reservas financeiras e empregos estáveis.

Enquanto fazem isso, os membros da esquerda caviar se sentem as almas mais abnegadas do planeta. A esquerda sempre viveu da estética, das aparências, da imagem de bondosa, sem se importar muito com os resultados concretos do que prega. Luiz Felipe Pondé alfinetou a turma:

Nunca vi tanto self-marketing se vendendo como se fora amor à vida. E disseram que o mundo não ia voltar ao normal? Já voltou, em parte. A vaidade, o oportunismo, o marketing de comportamento, o mercado dos horrores afetivos, as feministas dizendo que dominarão o mundo, tudo aí, para quem quiser ver. Alguém já provou que vírus só existe em sociedades patriarcais e carnívoras? Logo coletivos de ciências sociais o farão. Enfim, o ridículo voltou às ruas.

[...] A ciência primeira hoje é o marketing. Por isso, muitas pessoas querem passar a imagem que o coração delas é lindo e que depois da epidemia, o mundo ficará lindo como elas. A utopia fala sempre do utópico e não do mundo real. É sempre uma projeção infantil da própria beleza narcísica de quem sonha com a utopia.

[...] Encaremos os fatos: no Brasil só classe média alta e alta podem fazer quarentena. Só eles têm reserva financeira. A esmagadora maioria da população vai pedir esmola, seja do Estado, seja nas ruas. A pobreza no Brasil faz da quarenta uma tendência de comportamento dos ricos e famosos. Perguntar por que os pobres não fazem quarentena é perguntar por que eles não comem bolo, já que não têm pão.

Os adeptos da quarentena gourmet já possuem uma musa agora. Não é a atriz Isis Valverde, apesar de ela merecer algum destaque após compartilhar seu "esforço" para cozinhar, acompanhada de uma taça de vinho e da empregada doméstica atrás.

A musa da elite cosmopolita e esnobe que faz diário de quarentena é a multimilionária Nancy Pelosi, líder democrata na Câmara, que mostrou os sorvetes que vai degustar durante seu isolamento. O vídeo gerou revolta e uma enxurrada de críticas, por motivos óbvios (ao menos para quem vive fora da bolha):


As "veretes" vão ao delírio com esses "liberais humanistas", com os "cidadãos do mundo" como Obama e companhia. Quantas palavras belas eles repetem! Que retórica rebuscada, voltada para os pobres e oprimidos! Ao som de "Imagine", essa turma se lambuza de elogios mútuos sobre como são todos altruístas, bondosos, abnegados.

Enquanto isso, lá fora da bolha, todos percebem a insensatez, a hipocrisia e, acima de tudo, a incrível insensibilidade dessa patota esquerdista.
Título e Texto: Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, 22-4-2020, 10h25

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