terça-feira, 21 de abril de 2020

[Aparecido rasga o verbo] Cada louco com a sua mania

Aparecido Raimundo de Souza

DIAS ATRÁS, MINHA FILHA Érica me ligou pedindo que eu fosse buscar  minha neta Ellen, filha dela, no hospital onde estava dando plantão. Como uma doutora que a renderia não comparecera e ela precisava dobrar até as oito da manhã do dia seguinte, me solicitou que fosse urgente buscar a menina.

Ao chegar, me identifiquei dizendo à atendente quem eu procurava. Como já era esperado, ela chamou outra recepcionista e pediu que me acompanhasse até o segundo andar e me deixasse na enfermaria 234 da Ala A.

A caminho, fiquei sabendo que minha filha havia deixado ordens para que eu fosse levado até o pavimento onde ela cuidava de um paciente que acabara de vir a óbito. A jovem que me escoltou, muito simpática e atenciosa, se chamava Eva, e eu lhe disse que não havia necessidade de tanto incômodo, observando que conhecia aquele hospital melhor que os corredores de minha casa:

— É praxe. O senhor não pode subir sozinho…

Sorri e entramos no elevador. Quando chegamos à enfermaria onde Érica se encontrava, ela, sem tirar as luvas das mãos, a máscara do rosto e o estetoscópio do pescoço, veio até mim, me pediu a bênção e, como sempre, me enviou um beijo colocando o dedo indicador nos lábios.

Antes de dispensar Eva, minha filha sobrepôs uma proteção em mim e solicitou que ela, de regresso, passasse no primeiro andar e mandasse vir uma técnica em radiologia. Nesse meio-tempo, agradeci à beldade por ter me acompanhado e lhe enviei uma piscadela de olhos.

A especialista — igualmente novinha e também engraçadinha, parecia um anjo com o embuço branco — chegou, nos deu boa tarde e passou a preparar o aparelho que se achava num canto do quarto. Nesse interrégno, saímos para uma espécie de antessala dentro do próprio aposento, de onde continuamos a avistar a radiologista e o extinto, sem, no entanto, atrapalharmos o trabalho das tais chapas que seriam tiradas.

Tudo pronto e preparado, de repente, a jovem olhou para o homem que jazia sem vida na cama e disse-lhe, de um modo carinhoso, quase em sussurro, todavia num tom que conseguimos ouvir perfeitamente: “Não respire, por favor!”.

Segundos depois, terminado o procedimento com os raios X, voltou a olhar para o de cujus, do mesmo modo que antes e falou: “Ótimo! Bom menino! Desculpe o incômodo. Agora pode voltar a respirar”. Surpresa com aquela cena, e após a radiologista ter batido em retirada, minha filha e eu nos aproximamos do cadáver:
— Papito, se esse sujeito respirar, juro ao senhor que imediatamente dou o fora daqui!

Em seguida, ela, rindo a não mais poder ao lembrar pelo ocorrido e eu, idem, subimos para a cantina no sexto andar onde minha neta nos esperava. 
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo, 21-4-2020

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