Aparecido Raimundo de Souza
DIAS ATRÁS, MINHA FILHA Érica me ligou pedindo que eu fosse buscar minha neta Ellen, filha dela, no hospital
onde estava dando plantão. Como uma doutora que a renderia não comparecera e
ela precisava dobrar até as oito da manhã do dia seguinte, me solicitou que
fosse urgente buscar a menina.
Ao chegar, me identifiquei dizendo à atendente quem eu procurava. Como já
era esperado, ela chamou outra recepcionista e pediu que me acompanhasse até o
segundo andar e me deixasse na enfermaria 234 da Ala A.
A caminho, fiquei sabendo que minha filha havia deixado ordens para que
eu fosse levado até o pavimento onde ela cuidava de um paciente que acabara de
vir a óbito. A jovem que me escoltou, muito simpática e atenciosa, se chamava
Eva, e eu lhe disse que não havia necessidade de tanto incômodo, observando que
conhecia aquele hospital melhor que os corredores de minha casa:
— É praxe. O senhor não pode subir sozinho…
Sorri e entramos no elevador. Quando chegamos à enfermaria onde Érica se
encontrava, ela, sem tirar as luvas das mãos, a máscara do rosto e o
estetoscópio do pescoço, veio até mim, me pediu a bênção e, como sempre, me
enviou um beijo colocando o dedo indicador nos lábios.
Antes de dispensar Eva, minha filha sobrepôs uma proteção em mim e
solicitou que ela, de regresso, passasse no primeiro andar e mandasse vir uma
técnica em radiologia. Nesse meio-tempo, agradeci à beldade por ter me
acompanhado e lhe enviei uma piscadela de olhos.
A especialista — igualmente novinha e também engraçadinha, parecia um
anjo com o embuço branco — chegou, nos deu boa tarde e passou a preparar o
aparelho que se achava num canto do quarto. Nesse interrégno, saímos para uma
espécie de antessala dentro do próprio aposento, de onde continuamos a avistar
a radiologista e o extinto, sem, no entanto, atrapalharmos o trabalho das tais
chapas que seriam tiradas.
Tudo pronto e preparado, de repente, a jovem olhou para o homem que jazia
sem vida na cama e disse-lhe, de um modo carinhoso, quase em sussurro, todavia
num tom que conseguimos ouvir perfeitamente: “Não respire, por favor!”.
Segundos depois, terminado o procedimento com os raios X, voltou a olhar
para o de cujus, do mesmo modo que antes e falou: “Ótimo! Bom menino! Desculpe
o incômodo. Agora pode voltar a respirar”. Surpresa com aquela cena, e após a
radiologista ter batido em retirada, minha filha e eu nos aproximamos do
cadáver:
— Papito, se esse sujeito respirar, juro ao senhor que imediatamente dou
o fora daqui!
Em seguida, ela, rindo a não mais poder ao lembrar pelo ocorrido e eu,
idem, subimos para a cantina no sexto andar onde minha neta nos esperava.
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito
Santo, 21-4-2020
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