A Associação Médica
Brasileira acompanha diversos estudos e pesquisas sobre a utilização de
fármacos para tratamento ou quimioprofilaxia da Covid-19 que estão em curso no
mundo inteiro. A avaliação é de que, até o momento, não existem estudos
seguros, robustos e definitivos sobre a questão. Mesmo nos mais recentes,
especialmente os da última semana, há várias fragilidades que impedem que sejam
considerados conclusivos. Limitações foram alertadas pelos próprios autores,
mas solenemente ignoradas por aqueles que parecem torcer pelo coronavírus.
Os holofotes da sociedade
voltados para a pandemia, e em especial para a classe médica, por vezes acabam
alimentando vaidades e ofuscando a percepção sobre a tênue fronteira entre o
campo técnico-científico e o campo político/ideológico/partidário.
Quando, em 22 de maio, a
revista The Lancet divulgou resultados de uma pesquisa que
comprovaria a aparente ausência de efeitos da hidroxicloroquina no combate à
Covid-19, causou espanto a reação de algumas pessoas e entidades: estavam
comemorando!!!
Ficava claro ali que a
discussão havia sido politizada. Afinal, o que justificaria tamanha euforia
diante de notícia tão frustrante para a saúde da população? E justamente em um
momento de ausência de tratamentos efetivos…
Dias depois, a The
Lancet veio a público para se desculpar e informar que iria
“despublicar” o estudo, a pedido dos autores. As “certezas” caíram por terra e
o alarmismo contra o uso do fármaco silenciaram diante da perplexidade do caso.
Infelizmente, pouco se
aprendeu com o episódio. Médicos, entidades, políticos, influenciadores e
palpiteiros seguem monitorando estudos sobre o uso de hidroxicloroquina em
pacientes acometidos pela Covid-19. Uns procurando provas de que se trata da
salvação. Outros, de que é puro placebo. Ou pior: veneno (mesmo diante do fato
de que os efeitos adversos são limitados e conhecidos há mais de cinco
décadas). Muitos sairão da pandemia apequenados, principalmente médicos e
entidades médicas que escolherem manipular a ciência para usá-la como arma no
campo político-partidário.
É bastante provável que
cheguemos ao final da pandemia sem evidências consistentes sobre tratamentos. E
também sobre diversos outros aspectos próprios de uma nova enfermidade. Pois
estudos adequados e robustos são caros e demorados. E estamos falando de uma medicação
barata, que, portanto, não tem, nem terá financiamento da indústria que suporte
os investimentos necessários para minimizar as incertezas.
“Análises criativas” dos
atuais estudos permitem quaisquer tipos de interpretações. E vêm sendo usados
de forma irresponsável pelos que tentam extrair deles conclusões que nem mesmo
os autores se atreveram a patrocinar. Nesse cenário, os estudos recentes não
podem ser considerados conclusivos, tampouco verdade científica, pois carecem
de evidências.
O derby político em torno da
hidroxicloroquina deixará um legado sombrio para a medicina brasileira, caso a
autonomia do médico seja restringida, como querem os que pregam a proibição da
prescrição da hidroxicloroquina. Essa restrição vai contra a própria Declaração
de Helsinque: “No tratamento de um paciente individual, em que não existem
intervenções comprovadas ou outras intervenções conhecidas foram ineficazes, o
médico, após procurar aconselhamento especializado, com consentimento informado
do paciente ou de um representante legal, pode usar uma intervenção não
comprovada se, no julgamento do médico, oferecer esperança de salvar vidas,
restabelecer a saúde ou aliviar o sofrimento. Essa intervenção deve ser
posteriormente objeto de pesquisa, destinada a avaliar sua segurança e
eficácia. Em todos os casos, novas informações devem ser registradas e,
quando apropriado, disponibilizadas ao público”.
A AMB é signatária da
Declaração de Helsinque, da WMA, juntamente com associações médicas de centenas
de países. E tem o compromisso de defender a preservação da autonomia do
médico. Também defenderá o Parecer 4/2020 do Conselho Federal de Medicina, que disciplina
o assunto.
É importante lembrar que o
uso off label de medicamentos é consagrado na medicina, desde
que haja clara concordância do paciente. E que, sem a prática do off
label, diversas doenças ainda estariam sem tratamento. Não se trata de
apologia a este ou àquele fármaco. Trata-se de respeito aos padrões éticos e
científicos construídos ao longo dos séculos.
Não podemos permitir que
ideologias e vaidades, de forma intempestiva, alimentadas pelos holofotes, nos
façam regredir em práticas já tão respeitadas. Não se pode clamar por ciência e
adotar posicionamentos embasados em ideologia ou partidarismo, ignorando
práticas consolidadas na medicina. Isso é um crime contra a medicina, contra os
pacientes e, sobretudo, contra a própria ciência.
DIRETORIA DA ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA, 19-7-2020
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