Os atuais ministros do Supremo ameaçam
expropriar o asterisco hoje ocupado pela Junta dos Três Patetas
Augusto Nunes
No começo dos anos 50, os
alunos da 4ª série do Grupo Escolar Domingues da Silva foram submetidos a uma prova
que incluía a seguinte questão: quais são os três Poderes da República? A
professora Mathilde Menon compreendeu que uma resposta tecnicamente errada fora
a mais verdadeira, sensata e sincera. Não só decidiu considerá-la certa como
guardou para sempre a folha de papel em que o menino de 11 anos rabiscara os
três Poderes: Baixinho, Gordinho, Simpático.
Duas características físicas e um traço de personalidade bastaram para que
todos identificassem a figura descrita com admirável concisão: Getúlio Vargas,
eleito em 1950. Para aquele garoto de Taquaritinga, o ardiloso gaúcho mandava
no Brasil desde sempre. Mandava mais que todos os Poderes juntos.
Getúlio era naquele momento o
chefe do Executivo de um Brasil redemocratizado em 1945, quando a queda do
Estado Novo resgatou o Judiciário e o Executivo da UTI onde agonizavam desde a
decretação em 1937 da abjeção autoritária. Transformado em ditador, o líder da
Revolução de 30 manteve o Congresso fechado por oito anos e reduziu o Supremo
Tribunal Federal a puxadinho do Palácio do Catete. Nenhum governante nomeou
tantos ministros do STF quanto aquele gaúcho risonho, de baixa estatura e
silhueta implorando por jejuns: 21. Os nomeados foram dispensados pelo padrinho
de sabatinas no Senado — e da tarefa de eleger o presidente da Corte, escolhido
pessoalmente por Getúlio. Quem foi criança naquela época tinha o direito de
acreditar que todo o poder emanava daquele homem baixinho, gordinho e
simpático. E por ele era exercido.
Confrontado com a mesma
pergunta, o que responderiam hoje os brasileiros que vão chegando à
pré-adolescência? Caso dessem a resposta oficialmente certa, estariam todos
errados. Seguem em funcionamento os três Poderes inerentes ao Estado
Democrático de Direito, mas o Supremo Tribunal Federal se acha mais poderoso
que os outros. Pelo que anda fazendo o Timão da Toga, sobretudo seus mais
impetuosos artilheiros, a Junta que assumiu o comando do país entre o derrame
sofrido por Costa e Silva e a posse de Emilio Médici terá logo expropriado o
asterisco que ocupa nos livros de História. A trinca de ministros militares
ficou conhecida como os três patetas. O STF tem meia dúzia de idiotas
juramentados. Os outros vivem derrapando no perigoso terreno da galhofa.
Só existem
figuras perfeitas em autobiografias desprezíveis ou panegíricos redigidos por
vassalos
Já tratamos aqui de Celso de
Mello — o Decano, o Pavão de Tatuí, o Rui Barbosa em compota —, no momento
empenhado em consolar-se da aposentadoria com a decretação do impeachment do
presidente Jair Bolsonaro. Gilmar Mendes, a Maritaca de Diamantino, retomou a
quarentena depois do troco que levou das Forças Armadas por acusá-las de
cúmplices do genocídio promovido por Jair Bolsonaro em aliança com o vírus
chinês. Ricardo Lewandowski também está na muda. Mas falam e agem por eles e
todos os outros dois bucaneiros de capa preta: Dias Toffoli e Alexandre de
Moraes. Esses não perdem uma única chance de mostrar que no Brasil qualquer
nulidade pode virar superjuiz.
Há alguns anos, a direção da revista Veja acrescentou aos critérios que regiam contratações de profissionais a exigência embutida numa pergunta singela: se o candidato à vaga se juntasse a uma roda, a conversa ficaria melhor ou pior? A partir daí, só foram anexados à redação os que melhoravam a conversa. Anexei outro quesito num jornal que dirigi. Só entrava quem soubesse rir de si próprio, tratar-se com ironia, entender que só existem figuras perfeitas em autobiografias desprezíveis ou panegíricos redigidos por vassalos. Quem se levava a sério o tempo todo que procurasse algum panteão. O clima na redação ficou bem melhor.
Há alguns anos, a direção da revista Veja acrescentou aos critérios que regiam contratações de profissionais a exigência embutida numa pergunta singela: se o candidato à vaga se juntasse a uma roda, a conversa ficaria melhor ou pior? A partir daí, só foram anexados à redação os que melhoravam a conversa. Anexei outro quesito num jornal que dirigi. Só entrava quem soubesse rir de si próprio, tratar-se com ironia, entender que só existem figuras perfeitas em autobiografias desprezíveis ou panegíricos redigidos por vassalos. Quem se levava a sério o tempo todo que procurasse algum panteão. O clima na redação ficou bem melhor.
Temos no STF, portanto, um
defeito de fabricação insanável: os ministros se acham de tal forma
predestinados ao Egrégio Plenário que muitos só pararam de chorar no berçário
quando alguma enfermeira substituiu a fralda por uma toga em miniatura. Nenhum
deles sequer desconfia que, em nações civilizadas, só entrariam numa Corte
Suprema se caprichassem no papel de réu. Essa disfunção, somada ao cotidiano
confinado numa realidade paralela, ajuda a entender a existência de um
inquérito das fake news. Parteiro da maluquice que pretende
erradicar a mentira do que se divulga no Brasil, Alexandre de Moraes hoje
acumula quatro funções: é o detetive que tudo descobre em dois minutos, o
delegado que só prende, o promotor que invariavelmente acusa e o juiz que não
absolve ninguém.
Os
participantes do teatro do absurdo fingiram entender o que significa “ser
editor da nação”
Surgido o Ministro da Verdade,
faltava o Editor do Brasil. Não falta mais. Nesta semana, numa conversa
inverossímil com jornalistas, Dias Toffoli protagonizou uma aula magna de
imbecilidade. “O Judiciário existe para dirimir conflitos”, recitou a platitude
para desandar na decolagem. “O Supremo atua como editor de uma nação inteira no
caso do inquérito das fake news”. Como é que é?, deixaram de
exclamar os jornalistas. Toffoli animou-se com a docilidade da plateia. “Todo
órgão de imprensa tem censura interna”, mentiu. “O seu acionista ou o seu
editor, se ele verifica ali uma matéria que ele acha que não deve ir ao ar
porque ela não é correta, ela não está devidamente checada, ele diz: ‘Não vai
ao ar’. Aí o jornalista dele diz: ‘Mas eu tenho a liberdade de expressão de
colocar isso ao ar’. Entendeu?”
Os participantes do teatro do
absurdo fingiram que sim. Também fizeram de conta que não estavam testemunhando
uma selvagem sessão de tortura imposta à língua portuguesa. “Não é à toa que
todas as empresas de comunicação têm códigos de ética, de compromisso. Nós, enquanto
judiciário, enquanto Suprema Corte, somos editores de um país inteiro, de uma
nação inteira, de um povo inteiro.”
Não é pouca coisa. Não
estranhem se o Editor do Brasil começar a reforma do país com a transferência
do Supremo para o Palácio do Planalto.
Título e Texto: Augusto
Nunes, revista Oeste, 31-7-2020, 8h59
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