Aparecido Raimundo de Souza
Apesar das horas, quase
uma da tarde de um domingo abonançado, o silêncio em volta de tudo se fazia
ensurdecedor: nenhuma pessoa passando ao largo, nenhum bando de moleques
correndo atrás de uma bola, nenhum acontecimento marcante. Apenas o eco
retumbante das lembranças. Foi nesse momento que me perguntei, assim do nada.
Como foi que eu fiquei depois que você me deixou? Essa pergunta passou a ecoar
em minha mente como um látego martirizante.
Me lembrei da última vez
em que nos vimos. Seus olhos brilhavam como um céu muito azul. Seu sorriso me
dava a impressão de ser como um raio de sol que, de pronto, surgiu para aquecer
meu coração despedaçado. E você, altiva, dona de si, caminhava com a leveza de
uma pluma. Seguia a passos comedidos, como se dançasse ao som mavioso de uma
música que ouvíamos no tempo em que éramos felizes. Do nada, me veio à cabeça
uma ideia meio abestalhada, ou inteiramente despropositada e marota.
Me perguntei, de chofre,
como seria ser você? E o pior de tudo... veja que loucura! Me imaginei
literalmente em seu lugar, tomando seu banho, depois me maquiando de frente
para o espelho do quarto. Em seguida vestindo as suas roupas, ajeitando a
calcinha, calçando seus sapatos, olhando o mundo ao redor através dos seus
sentidos. Seria tão otimista quanto você é? Teria as mesmas esperanças, os
mesmos desejos, os iguais medos e receios?
Afinal, que sensação acordar todas as manhãs com a sua mente, com seus pensamentos tresloucados borbulhando? Talvez, meu Deus, talvez eu me surpreendesse ou não, com a simplicidade das coisas que você sempre valorizou. E o que você agregava em reconhecer importante? O sorriso de um estranho, um bom dia de uma amiga, o cheiro da terra molhada pela chuva, o gosto de um café quente feito na hora... nós dois na mesa, as mãos dadas, saboreando o almoço caseiro, da mesa posta.
Oxalá eu me apaixonasse
pelas mesmas músicas que você, ou chorasse de tristeza quando algumas cenas
românticas nos nossos momentos assistindo televisão e comendo pipoca com
refrigerante me lembrassem de coisas bobas e corriqueiras que em outros tempos
me fizeram feliz? Também em contrário, certamente haveriam os momentos difíceis
e insuportáveis, notadamente nas noites em que você se pegava sozinha,
abandonada, mesmo rodeada por pessoas amigas... nossa empregada, seus pais...
será que aquele pranto invadiria meu rosto como uma chuva de lagrimas amargas?
O dia em que as
incertezas viessem me assombrar... eu tentaria como você, pôr fim à existência?
Meu Pai Eterno, será que eu me perguntaria se estava no caminho certo ou
deveria procurar um atalho para alcançar outros destinos? Mesmo norte, eu
sentiria as suas angustias, as suas alegrias, ou me perderia em um mar
proceloso de dúvidas? Se de repente voltasse a ser eu novamente, num estalo,
num estampido, como o espocar de um tiro disparado por uma arma ao acaso de
alguém sem direção assassinando um infeliz na esquina da rua de nossa casa?
Enfim, se me pegasse,
como agora, sentado no banco da praça, em frente ao prédio da prefeitura,
observando o mundo passar, a vida girando como um peão... nessa pequena troca
ligeira de personalidade eu teria aprendido com você algo de aproveitável? Lado outro, guardado um pouco da sua coragem,
da sua Fé no futuro, na vida? Por outro
prisma, só para moldar o meu “faz de conta” questionaria se teria entendido um
pouco mais sobre o que significa o ser humano, ou se, de fato, eu me veria um
bocadinho, ou um tantinho assim como você, mais humano? Com todas essas
indagações aflorando, voltei a olhar para o alto.
Acredite. O céu estava do
mesmo jeito. Quieto, calmo, na dele, talvez me vigiando, sei lá. Me responda.
Eu agradeceria por ter cruzado com você? Afinal das contas, creio piamente,
somos todos – eu e você -, somos todos um pouco de nós dois. Nessa troca meio
que vertiginosa e esquisita, ou dito de forma mais clara, fugaz... nessa troca
de personalidade e experiências momentâneas eu encontraria o que tanto busco
depois que você partiu?
O mais importante, o que,
aliás, me intriga, o que me mata aos poucos, o que me consome a carne, os
ossos, a alma, o coração: eu me depararia ou entenderia a verdadeira e real,
ou, ainda, a nostálgica e imorredoura essência da vida?! Não sei as respostas. É exatamente isso que
me faz um ser desprezível. Um desgraçado sem o vislumbre mavioso de um porvir
menos chato e odioso.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Vila Velha no Espírito Santo, 7-6-2024
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