Aparecido Raimundo de Souza
ESTOU TENDO um caso com a Arno. Arno não é uma moça qualquer. É diferente. É linda, bonita, magrinha como gosto, esperta, elétrica e despachada... quando está ligada no que precisa ser feito, parece chegar a 220 volts. Não estou falando de uma dondoca qualquer. Faço referência à Arno, a Enceradeira de mamãe. Ela não sabe ainda da minha loucura. Coisa antiga, desde o abençoado dia em que papai a trouxe aqui para casa. Tudo começou numa tarde de sábado, quando Ambrosina, a nossa empregada, depois de escravizar à pobrezinha, fazendo com que trabalhasse duro, lustrando os assoalhos da sala e dos três quartos, lhe deu uma folguinha arrastando a infeliz para o banheiro de serviço, colado à cozinha. Achei que era chegada a hora de atacar. Não perdi tempo:
— Nossa “migo”. Estou exausta – balbuciou a prestimosa assim que me viu chegar!
— Dá para perceber... respondi sem pensar em coisa melhor a ser dita.
— Ambrosina quer me ver morta e enterrada. Olhe para meu estado. Estou me sentindo um bagaço...
Procurei ser franco o melhor que pude:
— Sinto pena de você.
Arno me cravou uns olhos compridos e marejados de lágrimas:
— Você?
— Sim! Não posso?
Arno armou alguma coisa para dizer. No último instante resolveu engolir o que pretendia me jogar na fuça. Talvez achasse que me deixaria nervoso ou mais abestalhado do que aparentava. Ponderou e mediu as palavras antes de voltar ao diálogo:
— Pode, claro que pode. Mas vocês, humanos, não tem sentimentos em relação a nós.
Fez uma pausa breve e concluiu, sem papas na língua:
— Fazem a gente de escravos. Trabalhamos pior que burros de carga e no final das contas... Meu Deus do céu...
— Ei, não fale assim. Sei que dá um duro danado. Não é de hoje que estou de olho comprido em você.
— De olho? Como assim?
— Estou de olho, ora bolas.
— Desenhe...
— Não saberia desenhar...
— Pois então fale.
— É que... deixa pra lá.
— Fale. Seja o que for, vá em frente.
— Arno, me apaixonei por você. Perdidamente...
A enceradeira de mamãe, ou melhor, a Arno caiu numa estrondosa gargalhada. Quando se cansou, voltou a me fitar, desdenhosa:
— Quer dizer que temos aqui um garoto apaixonado?
— Me leve a sério. Por favor.
— Espera que eu acredite?
— Pergunte ao seu Rossi, o Escovão...
— O que o senhor Rossi, meu amigo Escovão tem a ver com isso?
— Ele sabe de tudo...
— Tudo?