terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A fábula de Pasárgada


Jonathas Filho
Contava-se naquela aldeia que certa senhora tinha bom trânsito no Castelo do Rei, e que por diversas vezes teria ido lá interceder em favor dos aldeões de Pasárgada. Lá, disseram, ela era amiga do Rei. Boataria? Como tenho tendências a historiar, pesquisei profundamente, mas isso não ficou comprovado, de fato. Então, não posso aqui afirmar se houve ou não situações que indicassem tal conhecimento dela com a Máxima Autoridade Real. Intercedeu no quê e por quê, quando, como, e qual era o problema que afligia os pobres aldeões?

Alguns fidalgos, à boca pequena... depois de alguns goles de xerez, confidenciaram-me que foi devido a uma situação bastante desagradável aos aldeões. Contaram-me que os aldeões de Pasárgada, tinham construído um grande galpão onde funcionaria uma cooperativa onde todos os cooperativados guardariam toda a lenha obtida; que seria estocada e que essa bendita lenha seria usada tão-somente para atender às necessidades dos aldeões mais idosos durante os rigorosos invernos. Uma espécie de poupança para dias difíceis. Todos os aldeões tinham a certeza que estariam “protegidos” do frio e que viveriam seus invernos com o calor merecido. Enganaram-se!!!

Deixaram como responsável um Amoxarife “expert” no assunto, para o recebimento e a estocagem adequada de toda aquela lenha... uma verdadeira montanha de lenha. Esse Almoxarife era nada mais nada menos do que um “Incendiário”.                                 
Na falta da vigilância e/ou pelo descaso e negligência da Autoridade delegada que tinha sido encarregada pela Corte Real, com a tarefa precípua de guardar e cuidar desse Galpão a fim de evitar possíveis desvios de conduta e/ou de lenha; aquele Almoxarife piromaníaco ficou à vontade. “Torrava” a lenha dos pobres aldeões em cada noite de luar, ao som de uivos de lobos “sedentos” de e$quemas. E a Autoridade que deveria salvaguardar os direitos dos aldeões fez… vista grossa.
Resumo da fábula bufa: O incendiário e os lobos “queimaram toda a lenha”!!!

Foi uma “grita” geral que posteriormente virou uma tristeza incomum. Aí então entra novamente em cena a tão comentada senhora... aquela que tinha bom trânsito no Castelo e que diziam que era amiga do Rei. Como dito anteriormente, nada ficou comprovado que existisse esse nível de conhecimento entre as partes mencionadas, haja vista também que, se ela de fato intercedeu em favor dos aldeões, nada de bom aconteceu para os aldeões que continuaram sem a lenha e com um Galpão quase todo destruído.
Passaram os pobres aldeões a contar somente com meros gravetos e o tempo começava a dar sinais que a temperatura iria cair, possívemente nevar. Após esse período, o Rei, por motivos outros, abdicou em favor da Rainha, que, entronizada, resolveu que iria colocar um ponto final no problema dos aldeões. Irritada, chamou seu Grão-Vizir e em alto e bom som proclamou: RESOLVA O PROBLEMA DOS ALDEÕES SENÃO CORTO-LHE A CABEÇA!!!

Daí iniciou-se um ciclo de negociações. Negociações... perguntei? Que negociações?
In vino veritas”, diria Gaius Plinius Secundus essa célebre frase em latim, dentro da cabeça de um outro fidalgo de Pasárgada, já em estado etílico avançado. Disse ele: Não foi bem uma negociação, foi uma proposição que levou muito tempo, numa espécie de “figura de linguagem”, gastronômicamente chamada de “cozinhando o galo.” Depenaram os galos velhos, colocaram em banho-maria e quando todos os aldeões achavam que tudo estava resolvido... ”eles” diziam que faltou o tempero ou que o sal acabou, e então todo o rito “gastronômico” tinha de ser reiniciado.

A situação tornou-se insuportável e mais uma vez a bondosa senhora, conhecedora das firulas e dos rodeios, sempre procurando contornar a situação, pedia calma e que aguardassem mais um pouco pois, tudo estava sinalizando um final satisfatório. O tempo passou e muitos dos coitados aldeões de Pasárgada, já bem mais velhos,  mais fragilizados por doenças, carências e indigência foram a óbito num número bastante acentuado.Os demais aldeões, também com idade avançada continuam aguardando essa situação tipo “rosca sem fim” até que o fim os enrosque.


Nesta fábula de Pasárgada, várias situações não foram esclarecidas:
Teria, de fato, a tal senhora o livre trânsito no Castelo?
Se tinha, intercedeu ou não em favor dos aldeões?
A Rainha, de fato, ORDENOU que se resolvesse o acordo dos aldeões?
Se sim, por que então não cumpriram com as suas determinações?
Será que a Rainha tem conhecimento  que em nenhum  momento nada foi concebido e resolvido?
Afinal, vai ser concebido o ACORDO com os aldeões?



Nota: Essa “fábula” foi concebida na idéia de Manuel Bandeira, considerado o criador do verso livre, onde ele em “Vou me embora para Pasárgada”,  diz  ser amigo do Rei.
Será que na época vigente, Manuel Bandeira afirmaria no seu verso livre:
Em Pasárgada tem tudo... é outra civilização,  tem um processo seguro... de se impedir concepção”!
Acredito que se Manuel Bandeira  assim fizesse, daria uma “tremenda bandeira” e ficaria mal com o Rei,  com a Rainha, com os Príncipes e Princesas... enfim com toda a corte. Incluam-se também o  Grão-Vizir e o Sacerdote Real.
Título e Texto: Jonathas Filho, também é um aldeão sem alguma lenha prá queimar... 02-12-2013
                                                                                   ........o........
Manuel Bandeira
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Wikipédia
Nascimento: 19 de abril de 1886, Recife, Pernambuco
Falecimento: 13 de outubro de 1968, Rio de Janeiro, RJ 

Significados de Concepção
1 Criação de algo. 2 Capacidade de compreender. 3 Faculdade de chegar a um entendimento. 4 Imaginar alguma coisa. 5 Resultado de gerar um ser vivo. 6 Fecundação do óvulo pelo espermatozoide. 7 Maneira de interpretar. 8 Elaboração de um projeto.

Vou-me Embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Extraído do livro "
Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90

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4 comentários:

  1. Muito bom. Melhor impossível. Jonathas meu amigo vc se superou........Mera coincidencia a tal senhora ou estarei vendo fantasma.................

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  2. Quando nada mais temos a comemorar, nos chega este belíssimo texto do Jonathas , com a força das metáforas bem escritas e que nos leva a acreditar de que nem tudo está perdido, e nos remete a pensar naquilo que estamos fazendo e se é realmente o que deveríamos estar realizando. Parabéns jonathas mais uma vez você se superou.
    José Manuel

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  3. Jonathas Filho,

    Realmente a semelhança é profunda e, somente um estudioso com tu és saberia dizer tudo que esta acontecendo conosco, sendo ético e conhecedor da causa que nos somos vitimas.

    Parabéns

    Nelson Schuler

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