quarta-feira, 11 de setembro de 2013

"Cozinhando o galo"

Jonathas Filho
O coitado já estava velho, e naquele galinheiro, por força dos regulamentos estabelecidos, ele foi “convidado” a deixar as suas amadas companheiras e ir “cantar em outro terreiro”. Acabrunhado, sabendo que corria em suas veias o sangue de um bom Galo, decidiu, então, “criar caso”. Afinal, ele tinha contribuído muito para poder “retirar-se” e viver dignamente o resto de seus dias. Poderia comprar a sua ração, ter seu poleiro limpo, cuidar da sua crista e das penas, tomar vacinas e ter a proteção de um teto para descansar. Quem sabe, poderia com calma, lá pelas cinco horas da “matina”, cantar do alto de um telhado anunciando a alvorada de mais um dia.


Durante muitos anos ele se dedicou ao aumento da produção de ovos, ele triplicou o número de pintos que cresceram e viraram frangos profissionais. Ele foi até Instrutor de outros Galos. Ele, de fato, ficou no “terreiro da amargura” sem o milho da complementação da aposentadoria que ele faz jus pois, apesar de anos a fio tomando conta daqueles frangos e frangas, cantando, trabalhando duro, realizando, estruturando, colaborando... agora ele é apenas... mais um Galo Velho.

Todo o seu empenho, toda a quantidade de "milhos" que ele deixou de “colocar no papo” e que destinou para um fundo, descontando para poder ter uma velhice digna, sumiu, e ele, pode-se dizer então no “português claro”, foi “depenado”. Nesse tal “terreiro da amargura”, jogam-se migalhas para ele e para os outros colegas de infortúnio, muito aquém do que têm direito.

Chamou seus outros colegas de outros terreiros que o atenderam de imediato pois, com eles acontecia o mesmo “ritual de depenação”. Reuniram-se todos: Garnizé, Pescoço Pelado, Esporão, Tezo, Cocoró, Belas Penas, Crista Lisa, Cisca Fora, Galo Eão, Tô com Gogo, Pena Forte, Cantador, Debriga, etc, etc, etc... além de muitos outros bastante antigos e conhecidos naquela “granja” e decidiram tomar uma atitude. Fariam uma grande “galeata” e “cantariam de galo” fazendo o maior escarcéu, chamando a atenção de todos naquela fazenda chamada Pindorama. Enquanto uns cocorizavam, outros abriam suas asas mostrando suas duras penas; outro grupo espalhava panfletos com dizeres alusivos ao “bico” que levaram e à degradação imposta. Passado algum tempo, resolveram invadir o local onde pouparam seus “milhos” que sumiram e lá se aboletaram.

Um deles, revoltado com essa situação, resolveu fazer uma greve de fome e nem milho picado comeu. Naquela localidade, perante ele, deambularam e perambularam “avis raras”, aves de rapina, raposas, águias, lobos, tubarões, arraias-miúdas, cordeirinhos e vaquinhas de presépio.

Até um garboso cisne negro empertigado e cheio de empáfia... Fitou-o de soslaio e passando pela diagonal nem sequer lhe acenou.

Outro grupo dessas aves desceu dos poleiros duros e lisos em que estavam tentando se equilibrar, viajaram e apareceram, de repente, numa dependência pública e se instalaram num amplo espaço chamado Gramão Verde.

Mediante todo esse cocorocó, os dirigentes resolveram escutar o “galo cantar” e antes do “frigir dos ovos” concluíram que era melhor acertar tudo e para isso orientaram o Administrador dos Grãos Usurpados para tratar um entendimento que imediatamente atendesse a essas pobres aves, dando-lhes o que lhes é de direito e assim, então, finalizar tal imbróglio.

O Administrador dos Grãos dos Usurpados resolveu comprar um grande tacho e marcou uma reunião com os Galos. No dia combinado estavam todos lá e, então, foram “convidados” a entrar naquele recipiente que já tinha uma água tépida.

Interessados em “quebrar o gelo das negociações”, os Galos assentaram-se naquele morno e agradável líquido. Conversa vai, conversa vem, e outra reunião é marcada para se estabelecer outros assuntos. Na mesma água e, desta vez, mais quente, os Galos começaram a negociar. Tergiversa daqui, confabula dali e outra reunião é marcada. Nessa, os Galos notam que a água está mais branda do que a anterior e começam a inquirir se o assunto principal, que é o motivo da reunião, não vai ser levado a cabo…

O Administrador, então, expert nesses casos, diz que precisa de mais “temperos” para consubstanciar o preparo desse “caldo” e que isso demanda tempo.

Apesar de todos estarem na mesma panela com água quente, um dos Galos – o mais esquentado deles – cacarejou estridentemente:

PÔ, CARA, TÁ QUERENDO NOS ‘COZINHAR’  EM FOGO BRANDO?
Título e Texto: Jonathas Filho, Comissário aposentado Varig/ Aerus. É também um Galo Velho Depenado. Imortal da AMB, 10-0-2013

Um comentário:

  1. Bonito texto...pena que o galo continua só na esperança de poder um dia voltar a cantar, mas vomo torcer para que este dia chegue e todos nós possamos "cantar" novamente, que nem o galo....rsrsrsrsrs...em alto e bom tom!!!!!!

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