Nelson Motta
“Parei minha moto no shopping,
roubaram a tampa da válvula do pneu. Tinha uma ótima tesoura Tramontina para
tosar meus cachorros, mas alguém a trocou por uma de pior qualidade. O médico
me mandou tirar radiografia desnecessária só para gastar dinheiro do plano de
saúde. Minha revista semanal sumiu na portaria do prédio…”
A prosaica semana de um leitor
carioca de um bairro de classe média, tão banal e parecida com a de milhões de
brasileiros, mostra como o roubo e a sem-vergonhice estão arraigados na nossa cultura,
atrasando o crescimento do nosso IDH, por mais que se invista em educação,
tecnologia e infraestrutura. Mas não estamos condenados a essa cultura que
privilegia a mentira e a fraude, que aos poucos vai cedendo aqui e ali por
força da lei, da polícia e da Justiça, e aos trancos e barrancos o Brasil vai
melhorando.
Há quem acredite que o Brasil
está rico, poderoso, soberano, solidário, mas 43% dos alfabetizados não sabem
ler, mais da metade das cidades não tem esgoto tratado, 1/3 das Câmaras
Municipais, Assembleias Estaduais e Congresso Nacional estão nas mãos de
processados ou condenados pela Justiça. O que esperar dessa gente?
Ao contrário da cultura legal
anglo-saxônica — baseada no pressuposto que o cidadão está dizendo a verdade e
sabe que vai sofrer graves consequências se não estiver —, no Brasil a ideia
básica é que, em princípio, todos podem, e devem, estar mentindo, daí a
necessidade de tantas exigências de provas e documentos e assinaturas e
autorizações e controles e fiscalizações, que aumentam a burocracia e, com ela,
a corrupção. Somos o país do “minto, logo, existo”.

Só aqui há documentos que
precisam de “firma reconhecida” e outros que exigem a presença física no
cartório, como se umas fossem “sérias” e outras não, mas as fraudes não diminuem.
Por essas e outras abrir uma empresa no Brasil leva vinte vezes mais tempo do
que nos Estados Unidos ou no Chile.
A verdade, caros leitores, é
que são vícios crônicos inspirando uma crônica chata, resultado de muito
trabalho vão e de um grande esforço para não falar do mensalão. Paciência,
semana que vem melhora.
Título e Texto: Nelson Motta, jornalista, O Globo, 20-9-2013
Indicação: José Manuel
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