A prisão dos condenados do
mensalão está, literalmente, virando um pastelão. Montou-se toda uma encenação
como se os hoje condenados, devendo cumprir com suas respectivas penas, não tivessem
tido direito à defesa e fossem vítimas de uma imaginária conspiração das
"elites" ou da "mídia", eterno bode expiatório dos que
almejam o controle total do poder.
Há duas ordens de questões
envolvidas: uma de ordem, digamos, "humanitária", se quisermos ser
benevolentes, e outra de ordem propriamente institucional, que diz respeito ao
ataque que vêm sofrendo o Supremo Tribunal Federal (STF) e, em particular, o
seu presidente.
A primeira é visível no caso
do ainda deputado José Genoino, apresentado como uma "vítima" e,
conforme as circunstâncias, como um lutador da liberdade no período mais
"obscuro" do regime militar. Esta última consideração, aliás, não resiste
a uma análise mais elementar dos fatos, pois a guerrilha do Araguaia foi uma
tentativa maoista de estabelecer no País o totalitarismo comunista.
As suas avaliações médicas -
feitas por duas juntas, uma composta por especialistas da Universidade de
Brasília, a pedido do STF, e outra por médicos da Câmara dos Deputados -
tiveram como resultado que seu estado não é de cardiopatia grave, merecendo,
como qualquer pessoa em sua condição, cuidados especiais. Ao contrário do que
chegou a anunciar o seu advogado, não estaria tendo um "infarto". Há
um evidente superdimensionamento da doença com o intuito de criar um
constrangimento político ao presidente Joaquim Barbosa.
Há, contudo, algo bem mais
grave aqui. O que o PT está reivindicando para José Genoino e para os seus
outros presos (não se fala de outros "companheiros", como membros de
outros partidos, banqueiros, empresários e publicitários) é um tratamento
privilegiado, típico das elites. O discurso de Lula caracteriza-se por ser
contra as "elites", o seu comportamento e de seu partido, porém, é o
de que a elite petista é diferente dos demais cidadãos.
A contradição é flagrante. O
Partido dos Trabalhadores não está preocupado com os outros
"trabalhadores", mormente negros, pardos e de baixa renda, que
vicejam nas prisões brasileiras. Quantos destes precisam de prisão domiciliar?
E quantos necessitam de tratamento médico adequado? Silêncio total!
A questão chegou ao paroxismo
quando, nas visitas, os horários e os dias estipulados não foram minimamente
observados, como se petistas presos não devessem seguir as mesmas regras de
outros condenados. Mulheres, mães e irmãs comuns esperando em longas filas,
desde a madrugada, reclamaram precisamente dos privilégios. O Ministério
Público Federal, em Brasília, chegou a exigir isonomia de tratamento. Ou seja,
a tão proclamada ideia da igualdade não vale para as lideranças petistas, a
nova elite.
A situação chega a ser
hilária. Pessoas de altas responsabilidades governamentais e lideranças
partidárias acabam de "descobrir" que as condições de prisão no
Brasil são "sub-humanas". Ora, de súbito, tiveram uma crise de
humanismo. Eis a grande descoberta após 11 anos de governo petista. O partido
ficou muito mal na foto, revelando um indiscutível traço elitista.
A segunda concerne ao processo
em curso de deslegitimação do presidente Joaquim Barbosa e, por extensão, do
Poder Judiciário. Enquanto o julgamento do mensalão não era definitivo,
contentavam-se as lideranças petistas em dizer que as decisões seriam
respeitadas. No momento em que o partido foi contrariado, seus dirigentes não
hesitam em enveredar por um caminho de instabilização institucional e de
negação do Estado de Direito. Há até mesmo ameaças de processos contra o
ministro Joaquim Barbosa, exibindo um partido alheio ao respeito pelas instituições.
Aliás, o PT não se entende nem
consigo mesmo. Segundo o seu estatuto, dirigentes partidários condenados em
última instância deveriam ser expulsos do partido, não mais correspondendo às
regras, de fundo moral, que deveriam reger a vida partidária. O que está
acontecendo? Ninguém mais se refere aos estatutos, todos se comportam em
solidariedade aos detentos, como se houvesse a figura única dos
"criminosos do bem", os que emprestam seus serviços ao partido,
empregando todo e qualquer meio.
Nesse sentido, não deixa de
ser curiosa a defesa do deputado José Genoino de que seria um homem sem
patrimônio, que levaria uma vida modesta, não tendo enriquecido com a política.
A mensagem implícita consiste em absolver qualquer desvio de recursos públicos,
porque feito em nome do "valor maior" do partido. Logo, o desvio de
recursos públicos, o caixa 2, a compra de parlamentares e a corrupção são
atividades lícitas sempre e quando forem para o "bem" do PT. Padrões
morais universais, referências republicanas e de bem comum, entre outras formas
de vida política, são considerados como secundários e irrelevantes, pois acima
de todas as instituições está o partido. A corrupção partidária seria,
portanto, muito bem-vinda.
As retóricas dos "presos
políticos" e do "regime de exceção" situam-se, precisamente, num
comportamento político de instabilização institucional. As chances de sucesso
são praticamente inexistentes, além de a própria presidente Dilma Rousseff
ter-se distanciado desses arroubos ideológicos.
O Brasil vive um de seus mais
sólidos momentos de estabilidade democrática, mostrando a vitalidade do País e
a plena vigência da Constituição de 1988, rigorosamente respeitada. A prova
adicional disso é o fato de o próprio PT governar o País por dois mandatos de Lula
e um de Dilma, esta disputando a reeleição com possibilidade de vitória. Falar
de perseguição e exceção revela apenas falta absoluta de bom senso. A piada de
salão de Delúbio Soares não tem graça na prisão.
A democracia não é um
instrumento que esteja a serviço de um partido qualquer, por mais
"virtuoso" que ele se queira representar. O "Bem" da
República está situado acima do "bem próprio" partidário, uma lição
elementar que, infelizmente, não foi ainda bem aprendida.
Título e Texto: Denis
Lerrer Rosenfield - O
Estado de S.Paulo, 02-12-2013
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