segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Portugueses têm de romper com o passado económico

Olli Rehn
2014 será, de novo, um ano importante para Portugal e o sucesso está hoje mais próximo. O programa de ajustamento gizado pela UE/FMI termina em Maio.
Portugal superou com êxito as dez avaliações trimestrais do programa, reflexo da forte determinação dos portugueses em romper com os tempos económica e socialmente difíceis em que o país esteve mergulhado. 

Muitas medidas significativas foram tomadas desde o início do programa em Maio de 2011. A consolidação orçamental tem ajudado a recuperar o controlo sobre a dívida pública, bem como a garantir a sua sustentabilidade. O sector bancário foi estabilizado mediante um processo de desalavancagem e recapitalização dos bancos, mas o ajustamento em curso pretende ser, acima de tudo, um programa que promova o crescimento sustentado e mais e melhor emprego. As reformas estruturais nele inscritas desempenham um papel-chave na prossecução desse objectivo, uma vez que têm melhorado a competitividade e a flexibilidade da economia, assim como a sua capacidade de crescer de forma sustentável e de criar emprego.

O êxito de todas estas medidas deve-se ao ajustamento notável de que a economia portuguesa foi alvo. Desde 2012 que o orçamento, em termos estruturais e líquido do pagamento de juros, tem registado excedente, que as exportações se mantêm fortes, ajudando ao reequilíbrio externo da economia, e que as condições de financiamento da banca melhoraram consideravelmente.

Estou ciente de que os progressos alcançados no âmbito do programa de ajustamento foram conseguidos num contexto social particularmente difícil para o povo português. Os elevados níveis de desemprego e de pobreza que afectaram em especial os mais jovens têm sido, e continuarão a ser, um motivo de preocupação para todos nós, daí o programa considerar fundamental aliviar o impacto do mesmo junto dos mais vulneráveis.

As condições de implementação do programa foram mais desafiantes do que o inicialmente esperado devido, em grande parte, aos efeitos negativos da recessão económica e da fragmentação financeira na zona euro. Para contrabalançar os efeitos mais graves, o rumo do ajustamento orçamental foi revisto a fim de manter um equilíbrio adequado entre a consolidação orçamental e o crescimento e o emprego.

Este percurso difícil também ficou marcado por outros obstáculos. Algumas das reformas orçamentais e estruturais que o governo português adoptou e implementou foram consideradas inconstitucionais, enquanto outras esbarraram na resistência de interesses instalados. Em resultado, o impacto dessas reformas na promoção do crescimento potencial da economia foi mitigado. Também ocorreram episódios de tensão política no início do ano, no entanto, a coesão e o sentido de responsabilidade nacional acabaram por prevalecer.

No geral, a determinação política de Lisboa e a excelente cooperação entre Portugal e os seus parceiros internacionais foram cruciais para ultrapassar todos esses desafios e os esforços começam gradualmente a dar frutos num contexto de retoma em toda a Europa, sob a forma de crescimento económico e de criação de emprego.

Olhando para o futuro, Portugal deve reforçar os progressos já alcançados focalizando-se em medidas que fortaleçam o crescimento e o emprego, reponham a criação de riqueza e protejam os elementos mais vulneráveis da sociedade. É igualmente essencial que Portugal preserve a sua disciplina orçamental e reformas estruturais nos próximos anos. A dívida pública terá de manter-se sustentável combinando défices orçamentais baixos com um sector público mais reduzido e eficiente e uma taxa de crescimento mais alta, a par de uma maior dinâmica na criação de emprego.

O sucesso ou o fracasso da estratégia para repor a sustentabilidade da dívida pública será aferido pelo acesso de Portugal aos mercados de dívida soberana a taxas de juro comportáveis. Esse acesso pressupõe reforçar a confiança dos investidores e atenuar os receios que relevem de eventuais riscos percepcionados (económicos, legais, políticos) associados ao processo de ajustamento.

As condições para o futuro êxito económico de Portugal serão as mesmas quer o governo solicite, quer não, apoio adicional aos seus parceiros europeus após o término do actual programa. É natural questionar o que irá acontecer depois, mas, neste momento, qualquer resposta será pura especulação. Muito sinceramente, entendo que não devemos desviar a nossa atenção da importante tarefa que temos em mãos. A prioridade absoluta é, pois, concluir o programa em curso com êxito. Portugal pode estar tranquilo, uma vez que a Europa tenciona cumprir a sua palavra se o país necessitar de ajuda adicional, na condição de Portugal levar por diante as reformas em curso.

Todos os Estados-membros da UE, sem excepção, estão sujeitos a procedimentos de supervisão económica, os quais foram consideravelmente fortalecidos em resposta à crise económica e financeira. A União Bancária está em construção tendo em vista reduzir a fragmentação financeira na Europa e romper com a ligação tóxica entre a dívida dos bancos e o Estado. O primeiro pilar estará concluído em 2014 com a criação do Mecanismo Único de Supervisão. Não obstante, o novo quadro de supervisão da UE não garante por si só o desenvolvimento da economia portuguesa. A crise revelou as fragilidades do modelo de crescimento de Portugal, marcado por uma forte dependência da despesa pública e da dívida privada, e pelo peso excessivo de bens e serviços não transacionáveis.

Neste sentido, Portugal deve usar a crise e o programa de ajustamento como uma oportunidade para romper de vez com o seu passado económico. É urgente definir uma nova visão a médio prazo para o crescimento e o emprego, que defina um caminho para o país trilhar até 2020 e anos subsequentes. Essa visão deve ser credível e contar com uma ampla base de apoio político e social. Em particular, são precisos esforços adicionais para criar um ambiente favorável ao investimento privado e à transição para uma economia de bens e serviços transacionáveis através do investimento doméstico e estrangeiro. Além disso, Portugal deve usar melhor o Mercado Único, o euro, os fundos de coesão e outros instrumentos europeus disponíveis para apoiar essa estratégia.

Portugal foi profundamente atingido pela crise, mas a sua economia está a recuperar gradualmente com base num modelo mais benéfico e sustentável. Os portugueses têm feito esforços notáveis para inverter o rumo da economia. Se Portugal conseguir manter a solidez das finanças públicas e prosseguir com as reformas estruturais para alcançar um crescimento sustentado e melhores níveis de emprego, não tenho dúvidas de que os sacrifícios do povo português feitos até agora não terão sido em vão. Pelo contrário, garantiram um futuro melhor para si e para as gerações futuras.
Título e Texto: Olli Rehn - Vice-presidente da Comissão Europeia, Responsável pelos assuntos económicos e monetários da Comissão Europeia, nasceu na Finlândia e foi o elemento mais jovem da equipa liderada por Durão Barroso, Jornal de Negócios, 30-12-2013

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