domingo, 5 de janeiro de 2014

A obsessão antiamericana (III)

Mais uns parágrafos do excelente livro de Jean-François Revel, A obsessão antiamericana:

“A verdadeira cultura transcende sempre as fronteiras nacionais. Portanto, é com estranheza que se assiste, entre as várias contradições do antiamericanismo, à condenação do internacionalismo cultural mesmo quando é a cultura americana que se inspira na cultura europeia, na asiática, ou noutra. E mesmo quando essa influência se exerce sobre a cultura de massas.

Uma jornalista do Quebeque protesta contra o ‘fast-food cultural do momento… O Fantasma da Ópera, um produto cultural que é parente próximo da sanduíche vedeta da cadeia McDonald’s, o Big Mac ‘ (Julie Vaillancourt em Le Devoir, 22 de dezembro de 1992. Citada por Mario Roy em Pour en finir avec l’antiamericanisme, op. cit.).
Para além do espetáculo em questão não ser de concepção americana, mas britânica, nenhum jornalista ignora, ou deveria ignorar, que é baseado no célebre romance francês, publicado em 1910, Le Fântome de l’Opéra, da autoria de Gaston Leroux, que também foi o criador de Rouletabille e de Chéri Bibi. Deveria pois ser caso de júbilo ver a literatura popular francesa transposta para os ecrãs de todo o mundo por arte da produção americana. No entanto, como diz Mario Roy, ‘é claro que os factos não são para ter em conta’.

Deste modo, o ódio contra os Americanos é levado ao extremo de se transformar em ódio contra nós próprios. Foi o que se viu em 1992, quando a Disneylândia se instalou nos arredores de Paris. O evento foi denunciado pelos nossos intelectuais como um ‘Chernobyl cultural’. Mas não é preciso se senhor de grande erudição para perceber que uma grande parte dos temas inspiradores de Walt Disney, sobretudo as grandes metragens, se socorrem de fontes europeias. Branca de Neve e os Sete Anões, A Bela Adormecida, o Pinóquio, de Carlo Collodi, a partitura musical de Fantasia ou a reconstituição do navio dos piratas em A Ilha do Tesouro. De R. L. Stevenson, são tudo empréstimos, e homenagens, da América ao génio europeu, tal como presta homenagem a outras obras-primas tradicionais provenientes de outras culturas, como é o caso d’As Mil e Uma Noites.

Que estes contos populares, fruto da imaginação de tantos povos, ao longo de tantos séculos transmitidos de geração em geração por via oral, depois fixados sob forma escrita pelos diversos autores que os recolheram, se tenham por fim materializado, graças à invenção do cinema e do génio de um artista californiano, não será o exemplo perfeito do percurso e do imprevisível cruzamento das culturas? A sua dinâmica globalizante recorre aos instrumentos mais diversos, tanto antigos como modernos e troça do chauvinismo pudibundo dos protecionistas tacanhos.”

Continua…
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