Mais uns parágrafos do excelente livro de
Jean-François Revel, A obsessão antiamericana:
“Na prática, e por toda a Europa, mas sobretudo na
França, tanto a excepção como a diversidade culturais são nomes de código para
subsídios e para quotas limitativas. A eterna cantilena de que ‘os bens
culturais não são simples mercadorias’ não passa de um chafurdar na
vulgaridade. Quem é que disse tal coisa? Mas também não são o produto simples
dos financiamentos do Estado, ou então a pintura soviética seria a mais bela do
mundo. Os defensores do protecionismo e das subvenções contradizem-se. Toda esta
algazarra que fazem – dizem eles – é contra o dinheiro. E ao mesmo tempo argumentam
que a criação é condicionada pelo dinheiro, desde que se trate de dinheiro
público.
Mas se é verdade que por vezes o talento precisa
de auxílio, também é verdade que o auxílio não dá talento a ninguém.


Pela minha parte, continuo à espera de um
telefilme francês sobre o direito de violação de segredo cometido por ocasião
da compra da Triangle pela Pechiney, ou sobre os prevaricadores em causa que,
segundo parece, se encontravam situados ao mais alto nível do Estado francês.
Ou sobre o escândalo do Crédit Lyonnais, ou da Elf. Para se poderem comparar
com o modelo americano e com a coragem que demonstra, esses telefilmes
franceses deveriam colocar no ecrã a reposição fiel destes episódios históricos
pouco lisonjeiros para a França, com os intérpretes cuidadosamente decalcados
sobre os personagens originais. Acho que vamos ter que esperar ainda um bom
bocado.
Ruminando uns restos de marxismo do mais bafiento,
a ministra da Cultura, Catherine Tasca, disse ao Figaro Magazine (9 de fevereiro de 2002): ‘As leis do mercado são
as insígnias do poderio americano.’ Nada disso! Não são as insígnias, são a
explicação.”
“Por muito que isso desagrade à gente do cinema, a
cultura também é um pouco de literatura, de ciência, de arquitetura, de
pintura. Consideremos os factos: o período em que o romance americano mais
influenciou a literatura europeia foi entre as duas guerras, quando os Estados
Unidos não eram ainda a força mais poderosa do planeta. Esse lugar pertencia
então à Grã-Bretanha. Depois da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados
Unidos se tornaram politicamente dominantes, foi a literatura latino-americana
que obteve na Europa um grande sucesso, aceite simultaneamente por parte dos
críticos e dos leitores e bem superior ao da literatura norte-americana de
então, ainda que esta pudesse contar com talentos em nada inferiores ao da
época precedente. Como escreveu Mario Vargas Llosa, em outubro de 2000, ‘ainda
há cinquenta anos, nós os falantes das línguas hispânicas, constituíamos uma
comunidade fechada sobre si mesma, que pouco se aventurava no exterior das
nossas fronteiras linguísticas. Hoje em dia, a língua espanhola dá provas de
uma vitalidade crescente e tende a construir testas-de-ponte e posições fortes
nos cinco continentes. O facto de nos Estados Unidos viverem hoje entre vinte a
trinta milhões de hispânicos explica porque é que os dois candidatos à
presidência americana, o governador Bush e o vice-presidente Al Gore, também
usam a língua espanhola nos seus discursos eleitorais’. Este exemplo mostra
como a globalização impulsiona a diversidade cultural, mesmo nos Estados
Unidos.
Seria também importante referir a audiência
internacional conseguida pela literatura japonesa ao longo da segunda metade do
século XX, ou do acesso, lento mas irresistível, de V. S. Naipaul à categoria
de autoridade literária mundial, Prêmio Nobel da Literatura em 2001, escritor
cujas raízes culturais são múltiplas e complexas, uma mescla de antilhano, de
indiano, de inglês, mas sem nada de americano. Depois de 1950, os autores dramáticos
franceses têm uma presença mais assídua nos palcos de todo o mundo do que os
autores norte-americanos. Os poetas italianos Ungaretti e Montale são mais conhecidos que os seus congéneres americanos.
Poderia continuar ainda por muito tempo. É
desagradável ter que listar estas banalidades de manual, mas torna-se
necessário fazê-lo para contrariar os alarmistas estúpidos e hipócritas que
agitam os perigos que ameaçam a diversidade cultural, precisamente quando essa
diversidade nunca foi maior, uma vez que a globalização em marcha desde 1945
permitiu uma circulação cada vez mais ampla de obras intelectuais e o
cruzamento de um número crescente de formas estéticas. Alguém me poderá dizer
quantos autores franceses estavam traduzidos em japonês no século XIX, e
vice-versa? Presentemente são quase todos.”
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