
Jean-François Revel já tinha abordado esta questão
em Nem Marx nem Jesus, livro
publicado em 1970 e que conheceu um enorme sucesso internacional. Compreensivelmente,
daí para cá a situação tem vindo a evoluir, em consequência da ascensão dos
Estados Unidos a única ‘superpotência’ mundial, nos domínios da economia e da
estratégia e, em certa medida, também no domínio cultural.”
Inciado em setembro de 2001 e, salvo melhor
informação, finalizado em maio de 2002, é impressionante constatar a atualidade
e frescor dos parágrafos.
Logo nas primeiras páginas escreveu Jean-François
Revel:
“Ao manifestarem este antiamericanismo, inspirado,
ou melhor, decuplicado, em 1969, pela Guerra do Vietname, os Europeus, e
sobretudo os Franceses, ainda mais injustificadamente, esqueciam-se, ou fingiam
esquecer-se, que a Guerra do Vietname era uma consequência direta da expansão
colonial europeia em geral, e da guerra conduzida pela França na Indochina em
particular. Foi porque uma França cega se recusou a fazer qualquer
descolonização depois de 1945; foi porque se perdeu inconsideradamente numa
guerra longínqua e interminável, durante a qual, aliás, tantas vezes implorou,
e obteve, a ajuda americana; foi porque a França, vencida em Dien Bien Phu,
teve que assinar os desastrosos acordos de Genebra, abandonando a metade norte
do Vietname a um regime comunista que de imediato se apressou a violar os ditos
acordos; foi, inquestionavelmente, na sequência de uma longa série de erros
políticos e de desastres militares da
França, que os Estados Unidos se viram mais tarde obrigados a intervir.
É
este o tipo de cenário que se encontra frequentemente na base das relações
geoestratégicas entre a Europa e a América. Numa primeira fase, os Europeus, ou
um determinado país europeu, começa por suplicar a uma América relutante que
venha em seu socorro, que se torne agente, em geral comanditário e operativo,
de uma intervenção destinada a libertá-lo de uma situação perigosa que ele
próprio criou. Numa segunda fase, os Estados Unidos são apontados como
instigador de todo o processo. No entanto, quando as coisas correm bem, como no
caso da Guerra Fria, ninguém se mostra reconhecido. Em contrapartida, quando as
coisas correm mal, como no Vietname, é sobre os Americanos que recai todo o
opróbrio.”
Nem mais, nem menos. Mas tem mais:
“Tanto quanto sei, foram os Europeus que fizeram
do século XX o mais negro de toda a história, nos domínios da política e da
moral, entenda-se. Foram eles que desencadearam esses dois cataclismos de uma
envergadura sem precedentes que foram as duas guerras mundiais; foram eles que
inventaram e concretizaram os dois regimes mais criminosos jamais impostos à
espécie humana. E estes cúmulos de criminosos e de imbecilidade foram atingidos
por nós, Europeus, num lapso inferior a trinta anos! Quando digo que estes
flagelos não se podem comparar com quaisquer outros do passado, refiro-me,
naturalmente, apenas aos desastres provocados pelo homem, não falando nem de
catástrofes naturais nem de epidemias. Se, à decadência europeia provocada
pelas duas guerras e pelos dois totalitarismos, acrescentarmos os quebra-cabeças
resultantes no Terceiro Mundo em consequência da descolonização, continua a ser
na Europa que se têm de procurar os responsáveis, pelo menos parciais, dos
impasses e das convulsões do subdesenvolvimento. Foi a Europa, foram a
Inglaterra, a Bélgica, a Espanha, a França, a Holanda e, mais tardiamente e em
menor grau, a Alemanha e a Itália, que conquistaram, ou que se quiseram
apropriar de outros continentes. E não vale a pena objectar com o extermínio
dos índios e a escravização dos negros nos Estados Unidos. Porque, afinal, quem
eram os ocupantes do que viriam a ser os Estados Unidos, senão os colonizadores
europeus? E a quem é que esses colonizadores europeus compravam os escravos,
senão aos negreiros europeus?
A situação criada pelas tentativas de suicídio que
constituíram as duas guerras mundiais e à propensão dos Europeus para
engendrarem regimes totalitários, também intrinsecamente suicidas, juntou-se, a
partir de 1990, a obrigação de cuidar do campo em ruínas deixado pelo
desmoronamento do comunismo. Uma vez que a maior parte dos seus dirigentes
políticos, mediáticos e culturais nunca percebeu nada acerca do comunismo
(basta pensarmos nos elogios com que, mesmo os de direita, cobriram Mao nos
momentos mais agudos do seu fanatismo destruidor), estavam intelectualmente mal
equipados para compreenderem a saída do comunismo e para a acompanharem.
Perante este problema suplementar i inédito, a presente “hiperpotência”
americana não é mais do que consequência direta da impotência europeia, tanto
do passado como de hoje. Preenche o vazio criado pelas nossas insuficiências,
não as das nossas forças, mas as do nosso pensamento e da nossa vontade de
atuar. Imagine-se a perplexidade de um cidadão de Montana ou do Tennessee
quando toma conhecimento da intervenção americana na ex-Jugoslávia. Tem todo o
direito de se interrogar sobre qual será o interesse dos Estados Unidos em
mergulharem no lamaçal sangrento dos Balcãs, obra-prima secular do incomparável
engenho europeu.
Mas, sozinha, a Europa é incapaz de impor a
ordem nesse caos homicida que confeccionou com as suas próprias mãos. Para que
cessem os massacres nos Balcãs, ou para que diminuam, é preciso que os Estados
Unidos se encarreguem da operação, primeiro na Bósnia, depois no Kosovo e na
Macedónia. Em seguida, os Europeus agradecem-lhes apodando-os de imperialistas,
e depois tremem de medo e acusam-nos de isolacionismo assim que eles falam em
retirar as suas tropas.”
E continua, Jean-François Revel, agora escrevendo
sobre a “educação”:
“Este testemunho de alguém particularmente bem
colocado põe em relevo outro falhanço do Estado francês: a educação nacional.
Ao subverterem a continuidade do que tinha sido feito com algum êxito, durante
três mil anos, pelos teóricos e pelos práticos da educação, os virtuosos
totalitários interditaram, a partir de 1970, dois ‘abusos’ que consideravam
intoleráveis: o ensino e a disciplina. A violência nos estabelecimentos
escolares ou, sem cerimônias, o banditismo, é uma das páginas mais sinistras da
nossa incúria pedagógica. Durante muito tempo, esta violência apenas afetou os
liceus e os colégios, o que era compreensível, dado que se considera necessário
ter pelo menos doze ou treze anos para brandir uma faca ou uma pistola. Daí os
repetidos protestos dos professores, fartos de serem agredidos nas salas de
aula e de verem alunos a sofrer sevícias e por vezes a serem mortos às mãos de
outros adolescentes. Mas eis que em 2001 nos damos conta de que a violência
tinha descido até às escolas primárias, grassando entre crianças de menos de
oito anos, que se batem furiosamente entre si, tal como agridem os professores.
No final de novembro de 2001, no 20º bairro de
Paris e em L’Hay-les-Roses (Val-de-Marne), dois miúdos de sete ou oito anos
zurzem de pancada e correm à bofetada as respectivas professoras. Bem
entendido, o assunto é tabu, o ministério ‘relativiza’; os pais que querem
apresentar queixa são dissuadidos de o fazer pela administração em nome de uma
moral sã, ‘solidária’, imbuída de ‘convivência’ e de ‘cidadania’.
Infelizmente, como esta hipocrisia não tem o poder
de erradicar a violência já instalada no terreno, os professores recorrem cada
vez mais ao único meio que lhes resta para abalar a inércia dos poderes
públicos: a greve. Greve que se tornou quase permanente, dada a crescente
impossibilidade real de ensinar. Os professores do Colégio Victor Hugo, em
Noisy-le-Grand (Seina-Saint-Denis), e isto não passa de um exemplo ‘recolhido’
ao acaso dos jornais (Le Monde, 22 de
dezembro de 2001), já agastados pelo ‘massacre quotidiano’ por parte dos
alunos, constatam que ‘dois terços das classes são incontroláveis’. Escrevem ao
primeiro-ministro e pedem uma audiência ao presidente da República para exigir
o ‘abandono da política educacional seguida em França há vinte anos’.
É um tema novo, de importância capital e tanto
mais significativo que uma das razões da zombaria em relação aos Estados Unidos
é o estado supostamente lamentável do seu sistema de ensino! Mas foi em França,
também em Noisy-le-Grand, que uma mãe que se lamentava das consequências da
greve para os estudos do filho ouviu da professora esta resposta: ‘Haja aulas
ou não, de qualquer maneira eles não aprendem quase nada.’ De resto, se um
aluno quiser trabalhar, haverá sempre na sala de aula um brutamontes que o
trará de volta ao bom caminho, infligindo-lhe uma tareia. Numa escola da
periferia, um aluno sentado na primeira fila e que procura seguir a aula,
volta-se para trás e pede aos colegas que ponham fim ao charivari. O resultado
é uma carga de pancada e uma cadeira em cima da cabeça: vários pontos de sutura
e dez dias sem aulas (Libération, 22
de dezembro de 2001). Uma professora de vinte e nove anos, que leciona História
e Geografia comenta com amargura: ‘A lei diz que um aluno nos pode chamar
prostitutas e fascistas e que não pode ser castigado por isso.’ Todos estes
professores põem em evidência a relação causal do efeito mútuo entre a
ideologia que se opõe à educação e a ideologia que se opõe à segurança, as
quais, através da sua ação conjugada, em vinte anos conseguiu mergulhar a
França na anarquia em que presentemente se debate.”
Leitores portugueses atentos, certamente que se
lembraram de um personagem, muito famoso nos jornais e nas televisões, que há
20 anos coadministra o ministério da Educação de Portugal.
“E os leitores brasileiros?”, pergunta aquele
leitor ali na quinta fila. Ora, estes ainda estão embevecidos com Freixos, do
Psol, e black blocs, além do PSTU…
Amanhã continuo.
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