sábado, 9 de julho de 2016

[Estórias da Aviação] Faroeste no sertão

Alberto José

Em 1970, fazendo mais um voo de Congonhas para o interior do Brasil, o Avro 748 pousou em Gilbués, no Piauí. O aeroporto era de terra, cercado de arame farpado para que o gado não invadisse a pista e era controlado por um encarregado do antigo DAC.

Os índios de uma aldeia próxima, equipados com penas, arco, flecha e borduna ficavam no pátio de terra, olhando os aviões como o paulista em Congonhas.


Quando a Comissaria do local chegou para tirar as caixas de lanche (coxinha, pastel, sanduíche no pão branco e dois bombons) que sobraram, uma velhinha pobremente vestida se aproximou da escada e pediu: "Comissário, me dê alguma coisa que eu não tenho nada p'ra comer!" Pensando na família dela, imediatamente separei seis caixas de lanche que haviam sobrado e entreguei a ela. Ela nem andou cem metros quando foi assaltada por uns dez moleques que jogaram a velhinha no chão e fugiram com as caixas. Ela ficou tão traumatizada que foi embora e não voltou para pedir mais. Assim era a vida.

Quando os passageiros embarcaram, o pessoal da agência da Varig no aeroporto trouxe um senhor em cadeira de rodas, aparentando uns 60 anos, com o peito e a perna esquerda enfaixados. Com dificuldade, ele precisou ocupar duas poltronas. Estava indo para o hospital em Salvador. Eu perguntei se ele havia sofrido acidente. Ele contou como foi:

"Eu tava na calçada, vestido de terno branco, e um coroné cabra da peste passô com o carro na poça d'água e sujô a minha rôpa. Eu gritei que ele era ‘fio de uma égua’; ele parô o carro, vortô e mi deu trêis tiro; consegui puxá o 38 e mandei chumbo nele!"

Eu perguntei: "Mas ele está livre, ficou ferido?"

Ele respondeu: "Sô... o ispritú dele tá livre... o corpo com o chumbo tá debaixo de sete palmos de fundura!"

Assim era a vida. Lei da selva!   
Título e Texto: Alberto José, 8-7-2016

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