Marchar contra a política, contra os
políticos, contra as ditas forças tradicionais (e seus sinônimos) corresponde a
entregar o ouro para o bandido
Reinaldo Azevedo
É claro que não se devem tomar
os números do Datafolha como antecipadores do que vai acontecer em 2018. Ainda
é muito cedo, como todos sabemos. A realidade, nem é preciso que eu demonstre
isso, anda muito mais dinâmica do que poderia ser de nossa escolha. Países com
estabilidade institucional têm muito menos solavancos. Esse frenesi permanente
na política brasileira não é prova de saúde institucional, não. Ao contrário. É
sinal de que estamos com problema.
Assim, não há de se tomar Lula
como forte candidato ou Marina Silva como virtual eleita. Falta muita coisa.
Mas é inequívoco que essa sensação de fim do mundo, de fim dos tempos, que
estamos experimentando induz uma recuperação das esquerdas. A razão tristemente
óbvia: se todos são iguais, então por que foi mesmo que o PT foi transformado
na personagem central do petrolão?
Bem, eu acho que o PT foi e é
a personagem central, junto com Lula, o seu grande protagonista. Ocorre que a
gritaria contra os políticos, ainda que compreensível, está levando muita a
gente a concluir que o mal é bem maior. Outro dia, um desses intelectuais de
palpites fáceis, resolveu criticar a índole do próprio brasileiro. Parecia que
ele estava sugerindo que a corrupção entre nós é mesmo uma cultura.
Lula pode nem conseguir se
candidatar, ainda falarei a respeito, e muita coisa pode vir por aí, a mudar
esse quadro. Mas já se percebeu que fatias consideráveis da população podem,
sim, mudar de humor com certa celeridade e, em vez de tomar o caminho da
mudança radical, migrar para uma posição de certo conforto moral, onde estava
antes dessa crise.
Qual é o ponto fulcral? Notem:
Dilma só está fora porque cometeu crime de responsabilidade e porque perdeu
completamente a interlocução no Congresso. Ficou sem condições políticas de
governar. No oposto complementar da atual realidade política, Temer só é
presidente porque é essa a solução constitucional, mas também porque as forças
que o amparavam no Congresso conseguiram se ajustar com milhões de brasileiros
que pediam mudança.
A aliança tácita de milhões
que queriam o impeachment com o Congresso que lhes deu o impeachment era apenas
episódica, frágil, superficial. Foi relativamente fácil abalá-la ou mesmo
rompê-la. Disso se encarregou o Ministério Público Federal, com a sua pauta
política e o seu protagonismo. Os movimentos de rua, aos quais sobra
disposição, mas ainda falta um tanto de teoria, não perceberam a tempo que só uma
força lucra com essa fratura: as esquerdas, especialmente o PT.
Marchar contra a política,
contra os políticos, contra as ditas forças tradicionais (e seus sinônimos)
corresponde a entregar o ouro para o bandido. A razão é simples: sem a soma das
ruas — depurada do excesso de entusiasmo — com os ditos “políticos”
tradicionais, não se faz, por exemplo, reforma da Previdência, aquela de que
Lula e as esquerdas não querem nem ouvir falar.
Combater a corrupção não é
programa de governo ou ponto de chegada, mas mero instrumento de política
pública. Antes de mais nada, é uma obrigação. As tarefas de um governante são
imensamente maiores e mais complexas do que isso.
À medida que o processo
político se mostra refém do Dia da Marmota, em que cada um parece repetir o
anterior, com a sua rotina de operações espetaculares, sua fila de corruptos
comprovados ou presumidos e sua rotina de permanente assalto aos cofres
públicos, a desesperança vai se somando ao enfaro. A indignação vai cedendo
espaço, então, ao fatalismo. “Ah, o Brasil é assim mesmo…”
É esse quadro que devolve as
esquerdas ao jogo. E elas estão de volta, isso é inequívoco. Aproveitam-se, em
boa parte, da ingenuidade e da inexperiência daqueles que, com tanta força e
galhardia, lhes fizeram oposição, mas que se deixaram enredar, também, por
forças nem tão ingênuas.
As instituições não podem ser
submetidas a permanentes insultos, confundindo-se o justo combate à corrupção
com o combate à ordem legal. Em situações assim, emerge um certo desejo de
ordem de inspiração e aspiração autoritárias, que pode sonhar com um demiurgo
por ora desconhecido, ou pode se voltar para o passado, tocado por certa
nostalgia. Sim, refiro-me a Lula.
Sua eventual candidatura em
2018, se a estabilidade precária durar até lá, tem desafios jurídicos imensos.
Tratarei do assunto. O ponto não é esse.
Nós é que precisamos buscar um
lugar do discurso e da prática política que seja, sim, implacável com a
corrupção, mas conseguindo distinguir as instituições das pessoas.
Sem isso, ganham os
porta-vozes do caos.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, VEJA,
13-12-2016
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