Maria João Marques
Só nos resta aguardar pela publicação no
site da Presidência da nota congratulatória de Marcelo Rebelo de Sousa pelo
regresso das andorinhas na primavera, pois estas não são menos que George
Michael.
Durante horas pensei que o
lamento oficial de Marcelo Rebelo de Sousa pela morte de George Michael era uma
piada das redes sociais à hiperatividade presidencial a que MRS nos vem
habituando. Nem acreditei quando li as notícias. Tive de ir ao site da
Presidência da República confirmar que a mais recente exuberância pesarosa de
MRS existia mesmo. Pelo que, queridos concidadãos, está na hora de assumirmos
mais esta cruz nacional (e peço perdão por trazer este travo quaresmal para o
tempo natalício): temos um Presidente que perde tempo a emitir lamentos
oficiais pela morte de estrelas pop estrangeiras.
Presidente da República lamenta
morte de George Michael
“Manifesto o meu pesar pela morte de
George Michael, um artista e compositor versátil e talentoso, com uma longa
carreira de inequívoca qualidade.
Tal como David Bowie e Prince, para
mencionar apenas alguns que este ano nos deixaram, partiu demasiado cedo e de
forma inesperada. É difícil não pensar no que George Michael nos podia ainda
ter dado, mas pelo menos teremos sempre o que a vida dele nos deixou.
Marcelo Rebelo de Sousa”, 25-12-2016
Enquanto aguardamos a
publicação no site da Presidência da nota congratulatória de Marcelo Rebelo de
Sousa pelo regresso das andorinhas na primavera (que as andorinhas não são
menos que George Michael), ou talvez mesmo um comentário oficial do Presidente
sobre a problemática das notícias falsas, devemos, quem sabe, perder uns
momentos e dirigir a uma qualquer divindade do nosso agrado uma oração pedindo
uma mordaça para Marcelo Rebelo de Sousa (já que o bom senso e o sentido das
proporções não são suficientes para o moderar).
Há pouco tempo o caso
Cornucópia teria dado uma lição ou duas ao Presidente, se tivesse capacidade de
aprender. Ouvida a notícia do encerramento do teatro, Marcelo Rebelo de Sousa
abalou para o local do crime – por razões além do entendimento humano – e
sugeriu – outra vez por razões além do entendimento humano – que a Cornucópia
devia ter um regime de exceção.
Fez figura triste, claro. Se
MRS queria falar sobre teatro e arvorar-se em defensor da cultura paga pelos
contribuintes, podia, com mais propriedade, ter comentado a penúria da
programação do Teatro Nacional D. Maria II. Eu já vou na segunda temporada
seguida a tentar encontrar uma peça decente para comprar bilhetes e assistir.
Népias. Na temporada passada, nem com o centenário de Shakespeare – celebrado
pelo mundo inteiro com magníficas encenações – fomos brindados com uma produção
normal de uma peça do prolífico dramaturgo no D. Maria. Só tivemos direito a
invenções criativas (ataque de tosse) boas para afastar os mais previdentes.
(Não é totalmente verdade.
Houve uma produção para crianças há pouco tempo, sobre a evolução das espécies,
a que tentei levar os meus filhos. Não consegui. Cautelosamente terminou no fim
de semana em que se iniciaram as férias de Natal dos petizes. Alguém no D.
Maria não deve ter querido correr o risco de ter uma sala cheia de espetadores
nos últimos dias do ano.)
É possível que Marcelo Rebelo
de Sousa esteja encadeado com a sua popularidade, e veja como parte fundamental
das suas funções presidenciais tirar selfies com os portugueses, mas alguém
devia aconselhá-lo a mais recato – porque corre o risco grande de ninguém o
levar a sério quando falar de assuntos importantes (se se conseguir aperceber
deles). E de nos fazer duvidar se tirará o tempo para presidir durante uma
crise governativa ou um aperto nas contas públicas, ou montanha russa
semelhante, em vez de continuar com os seus brinquedos presidenciais.
Para não destoar do nível do
Presidente da República, o primeiro-ministro escolheu falar-nos na sua mensagem
natalícia num cenário de um jardim de infância. Houve quem se escandalizasse e
se risse, mas eu opino que Costa deveria sempre falar ao país num jardim-de-infância.
Além de ser cenário perfeito para o conteúdo possível de uma mensagem de Costa,
revela que no PS julgam que os seus eleitores têm capacidades intelectuais
semelhantes às encontradas na população pré-escolar.
Costa foi Costa. Diagnosticou
como grande problema nacional o ‘défice de conhecimento’. Curioso. De repente
lembro-me da paixão pela Educação de Guterres e dos programas maravilha de
Sócrates: os quadros elétricos nas salas de aula, o brinquedo Magalhães, o
Novas Oportunidades, o choque tecnológico. Nem sei como com tanta eficaz
política socialista para a educação e conhecimento ainda poderemos ser
deficitários. Diria que Costa também se baralha quanto aos problemas
prioritários.
De caminho, Costa lá encontrou
maneira de insultar as empresas na mensagem de Natal – insultar os criadores de
riqueza agora é um must de esquerda. Precisam de ser melhores e incorporar mais
conhecimento – diz o anafado primeiro-ministro (resultado de uma vida num
aparelho partidário) aos já ressequidos empresários que pagam os impostos
excessivos que sustentam a geringonça, e que criam emprego aos trabalhadores
que também pagam impostos em demasia para a mesma geringonça.
Talvez o PR tenha alguma coisa
a dizer das banalidades vazias que Costa proferiu no Natal. Ou da elegância de
Santos Silva, que equiparou a concertação social a uma feira de gado. Claro que
forçar uma demissão de um ministro, nem pensar, que o Presidente já calou
respeitosamente quando Costa impôs a permanência no governo do senhor das
viagens da Galp. Houve tempos em que Costa dizia que um ministro nunca se podia
esquecer que era ministro, mas os critérios de Costa são, como tudo nele, muito
elásticos.
No entanto é bem provável que
Marcelo Rebelo de Sousa tenha assuntos mais importantes para ocupar o seu tempo
na Presidência. Afinal talvez saiba de alguma pastelaria, detentora de um rico
património imaterial que é a receita de um bom pastel de nata, que esteja para
falir, sendo necessário o PR ir renegociar-lhes o empréstimo com o banco. E
também morreu a Princesa Leia.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador,
28-12-2016
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