Rafael Marques de Morais
Passeia pelas ruas de Luanda
um procurador-geral (PGR) que tem misturado as suas funções públicas com
negócios privados. Ao arrepio da lei e dos bons costumes, detém participações
em sociedades, e tem exercido gerência e consultadoria jurídica na Prestcom,
como exemplo.
Além disso, o general João
Maria de Sousa tem ignorado os seus deveres funcionais mais elementares. Não
investiga as maiores violações aos direitos humanos em Angola, nem os mais
infames atentados ao Estado de Direito e à boa governação.
Lembro-me bem de como fui
detido por via de um ardil ilegal montado pelo então PGR, Domingos Culolo,
depois de ter concedido uma entrevista, a 13 de Outubro de 1999, à Rádio Ecclésia.
A pretexto de duas passagens das declarações que proferi, o então PGR ordenou a
minha detenção três dias depois, classificando-me como “reincidente”, sem que
eu nunca antes tivesse sido acusado de qualquer crime ou ofensa. E o que
dissera eu? “Nós estamos perante um regime autoritário, estamos perante um
chefe autoritário.”
Depois de 42 dias na cadeia,
11 dos quais na solitária no Laboratório Central de Criminalística, fui então
formalmente acusado de ter difamado e injuriado o presidente da República, a
quem chamara de corrupto e ditador em “O Baton da Ditadura”. No mesmo contexto,
fui também acusado de ter difamado e injuriado o procurador-geral da República.
Desta vez, sou arguido num
processo-crime por “injúria” ao procurador-geral, o general João Maria de
Sousa. Tudo porque o expus como superficiário de um terreno no Porto-Amboim,
Kwanza-Sul, para construção de um condomínio. Aproveito para publicar o
documento dessa concessão. Fui interrogado, a 27 de Dezembro, por isso. Hoje,
assumo-me como “reincidente” e aqui escrevo.
Enquanto sou pisoteado pelos
agentes do Estado, o que fazem os ofendidos como o general João Maria de Sousa?
Em 2013, o Alexandre Solombe e
eu apresentámos uma queixa relativamente à detenção ilegal, agressões físicas e
ameaças de fuzilamento a que nos submeteram agentes da Polícia de Intervenção
Rápida (PIR) no seu quartel-general a 20 de Setembro desse ano, altura em que
fomos violentamente pisoteados por um comandante enquanto os agentes filmavam a
humilhação para deleite dos seus superiores. Essa operação, conforme denunciei
a posteriori, foi supervisionada pelo ministro do Interior, Ângelo Tavares.
Até hoje, não foi aberto
nenhum inquérito. O procurador-geral nada fez. Ignorou a nossa queixa. O SIC,
na altura DNIC, também lavou as mãos de contente. Este é o mesmo SIC que tenho
reiteradas vezes exposto por prática de actos bárbaros de tortura nas esquadras
policiais e execuções extrajudiciais. É o mesmo SIC que, à revelia da
Constituição, reintroduziu a pena de morte – mas sem julgamento. Graças a estas
vergonhosas instituições, vigora em Angola a lei da selva, bem longe do
apregoado Estado democrático.
Em 2013, pedi a abertura de um
inquérito referente às actividades ilícitas do vice-presidente da República
Manuel Vicente, ligadas à China Sonangol e a Sam Pa. As actividades para as
quais eu chamava a atenção implicaram perdas na ordem dos milhares de milhões
de dólares para o erário público. Este prejuízo incalculável para os angolanos
é hoje confirmado quer pela prisão de Sam Pa na China, quer pelas recentes
afirmações públicas da presidente do Conselho de Administração da Sonangol,
Isabel dos Santos, acerca do descontrolo contabilístico e financeiro da empresa
no período vicentino.
Até hoje, nenhum inquérito foi
aberto. O procurador-geral nada fez.
Em 3 de Fevereiro de 2016,
apresentei queixa-crime contra Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos e
portanto genro do presidente da República, por esbulho de terras.
Até hoje, nenhum inquérito foi
aberto. O procurador-geral nada fez.
Muitas e muitas mais situações
de inoperância e falta de diligência por parte do PGR constam no currículo
desta figura que continua a ensombrar os gabinetes do Ministério Público.
Todavia, e pasme-se, quando
estão em causa os seus interesses pessoais, a acção do general João Maria de
Sousa é imediata.
Em Agosto de 2013, interditou
a saída de José Gama do país por considerá-lo ligado ao Club-K, um portal que
publicara uma reportagem sobre si que considerou insultuosa.
Desta vez, o general revela-se
ainda mais veloz, chamando-me a prestar declarações como arguido num
processo-crime que instaurou pouco depois de eu ter trazido a público os seus
negócios.
Temos assim um PGR que instaura
processos-crime quando se sente ofendido (mas não, como já vimos, quando estão
em causa crimes de lesa-pátria). Este comportamento constitui abuso de poder e
violação dos princípios da igualdade e da legalidade a que deve obedecer o
trabalho do procurador-geral.
Perante várias queixas, o
procurador só age relativamente às que lhe dizem respeito, para perseguir
aqueles que considera seus inimigos.
Quando estão em causa os
milhões desviados do tesouro nacional, que condenam Angola à condição de país
atrasado, quando estão em causa as violações quotidianas do direitos humanos, o
procurador senta-se e não age.
Retomo então a pergunta,
parafraseando Cícero no seu discurso ao senado romano: “Até quando, Catilina,
abusarás da nossa paciência?” Até quando João Maria abusará da nossa paciência?
Se é pela via do litígio judicial que o general João Maria quer continuar a
abusar, então, passemos ao campo de batalha: os tribunais, quer o do regime,
quer o da opinião pública. Desta vez, o general da Injustiça conhecerá o
verdadeiro poder da cidadania.
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