Aparecido Raimundo de Souza
Dias atrás, nos deu na telha, e resolvemos fazer, por conta própria
(levando em conta o avanço da idade, e, sobretudo, a necessidade de cuidarmos
da saúde precavidamente) duas ultrassonografias distintas, ou seja, uma
abdominal total, e, a outra, próstata e vesícula seminal via transretal. Essa
segunda é aquele exame (Ana Maria Braga apresentadora do “Mais Você” fez e, na
época, detectou um câncer) mais detalhado, mais esmiudado, onde o médico enfia
um troço comprido e desconfortante no rabo do cidadão, carinhosamente chamado
de transdutor multifrequencial.
Fortificado nessa tecnologia de primeiro mundo, portanto, de ponta, o
troço opera milagres. Para esse fenômeno levar a termo o que se busca, é usado
uma espécie de bastão comprido (Modelo Xario da Toshiba), em cuja cabeça, vem
equipada uma micro câmera no orifício do
nariz. Essa geringonçinha faz o diabo. Mapeia tudo lá por dentro em Doppler colorido. Passa pelos rins,
visita a bexiga, toma um café no baço, lancha no pâncreas, janta no fígado (não
necessariamente nessa ordem), e à medida que passeia, vai relatando
detalhadamente, numa gama completa de imagens precisas, o volume urinário
pós-miccional, descriminando o peso e a medida da glândula onde fica o escroto
e os ovos, dá uma parada básica na vesícula, solta uns peidos violentos, caga e
acaba, por fim, saindo no buraco esquerdo do ouvido direito.
Procuramos um desses centros de diagnósticos por imagens e, como não
temos plano de saúde, dissemos à amabilíssima senhorita que gentilmente nos
atendeu, na luxuosa recepção, queríamos pagar, era particular, não existia
convênio com nada, nem plano de saúde. Ela foi ao computador, olhou a agenda do
especialista (não havia um médico ultrassonografista disponível, porém, no
lugar dele, um técnico em radiologia, se fazia, às vezes de...) nos informou
que só teria vaga para dali a quarenta dias. Vai daqui, cutuca dali, acabamos
por convencê-la a abrir uma brecha numa
modalidade bastante conhecida nesses consultórios impecáveis: o famoso
jeitinho brasileiro conhecido como “encaixe”.
Fomos, portanto, engaiolados, perdão, amados, encaixados, para dez dias
depois. Pelos exames desembolsaríamos a bagatela de R$ 760 reais. Puxamos a
carteira da mochila para pegar o dinheiro e ela alertou, num gesto vago, não se
faria necessário, pelo menos naquela altura do campeonato. Observou, todavia,
um dia antes, o call center da
clinica ligaria para confirmar o atendimento, ou como queiram os senhores, o
“encaixamento”.
Dia aprazado, lá estávamos nós dentro da unidade do CDI com todas as
recomendações passadas previamente. Além do cuzinho limpo e cheiroso, não comer
isso, não comer aquilo, não foder (nem a paciência dos outros), abster-nos de
exercícios físicos, como correr, nadar, ter relações sexuais agarrados em
árvores frutíferas, ou em cima de guarda-roupas com mais de seis portas. Afora
isso, não deveríamos, igualmente, pularmos sobre a cama da amante, caso
fossemos casados, e o mais importante, atentem, senhoras e senhores, não
andarmos em hipótese nenhuma a cavalo. Pensamos com nossos botões: seria para
não cansar o animal?
Na hora em que o técnico em “curologia” nos sinalizou para a sala dos
procedimentos, outro problema surgiu à baila. Precisava haver um
encaminhamento, sem o que o “dotor” não realizaria os tais exames. Ponderamos
com o cidadão que pagávamos em dinheiro vivo, a coisa seria particular,
lembramos que ele poria no bolso, sem maiores atropelos, o jabaculê... a
bufunfa, o faz-me rir entraria no ato para o caixa da clínica, etc. etc. Qual o
quê! Não teve conversa, meus amigos. O filho de uma égua queria a solicitação
prescrita por um clinico geral.
Injuriado, insultado e enxovalhado, conseguimos convencer o cara a nos
conceder algumas horas à frente daquele mesmo dia, final da tarde, para dar
tempo de procurarmos um diplomado em medicina com a finalidade de nos fornecer
o tal documento que culminaria dando ingresso à conclusão dos nossos objetivos.
Estivemos em vários consultórios. No mais modesto a consulta girava em torno de
R$ 350 reais. Achamos uma baita, ou pior, uma puta sacanagem pagar tanto
dinheiro assim, para se tomar no cu. Verdade seja dita, nos emputecemos,
ficamos literalmente brabos e enraivecidos.
Qualquer um, em nosso lugar, com sangue nas ventas, perderia a razão, o
bom senso, a serenidade.
Visitamos vários hospitais, UPAs (Unidades de Pessoas Assustadas), PAs
(Profissionais Amargurados), UBSs (União de Bandidos Sindicalizados), URSs (Usina dos Roedores
Silenciosos), demos uma espiada no SUS (Sistema Unificado de Sacanagens) e
nada. Nem sinal de um galeno com disponibilidade de macaco para quebrar o
galho. Graças a Deus, no derradeiro que visitamos, por sinal, particular,
conseguimos “catar” na sala da assistente social, um jaleco branco. Destarte,
disfarçados na pele de um funcionário (Ziraldo Pinto, Enfermeiro Chefe),
subimos e descemos, descemos e subimos, transitamos por todos os pavimentos,
sem sermos molestados até, quase a desistirmos da empreitada, na ala do
necrotério "afanamos" um bloco de receituário para prescrição de
qualquer tipo de procedimento que desse na telha. A sorte, nessa hora, sorria
matreira e arisca, ao nosso lado.
De volta ao tráfego do sobe e desce, desce e sobe, vira aqui, volta ali,
na maternidade, na sala dos Asclépios, passamos os cinco dedos num carimbo com
CRM, os cambaus. De roldão trouxemos umas folhas específicas para a concessão
de atestados.
Fora das dependências da unidade de saúde, num barzinho ao lado,
saboreando um copo de água gelada e um cafezinho, preenchemos, com a nossa letra,
o direcionando devido a quem se fazia necessário. Utilizamos uns garranchos
esquisitos, como os esculápios costumam praticar nas diariaedades (até o
tinhoso ficaria com a pulga atrás da orelha) das suas funções. Observem
senhoras e senhores, como ficou bonita a coisa: "Requisitamos urgente
ultrasonografia abdome total prostata transretal e vesícula seminal".
Fizemos os malditos exames numa boa, capitaneados por uma simpática
doutora que, a vermos depois, atendia pelo nome de Sulamita Chupa Com Vontade -
ginecologista e obstetra. Dia seguinte, ao retornarmos à clínica, percebemos
pelo semblante carrancudo do “graduado” no cajado retofuricular, que ele nos
olhou meio desconfiado, certamente em vista daquele requerimento, apresentado.
Contudo, se conteve. Nada disse. Deve ter lá com seus pensamentos, ruminado
consigo próprio: "Esse desgraçado é tão burro que nem falsificar sabe.
Procurou logo um médico de mulher".
Exames prontos, resultados com os respectivos laudos entregues. Tudo em
ordem. Achamos por bem, e, claro, por descargo de consciência, agradecer ao
ilustre operário da vara, perdão, ao “curologista”, a graciosa finesa de ter,
além do “encaixe”, nos encaixado, tanto na agenda dele, como, literalmente, no
nosso rabo, e, isso "a depois" do horário previsto e, por
derradeiro, realizado a contento os
afins que buscávamos com ardente
ansiedade.
Foi então nessa hora que resolvemos abrir o jogo e contar a verdade.
Chamamos o elegante e a bela da recepção para um café (havia uma máquina no
corredor de acesso às escadas do segundo pavimento), ali mesmo dentro do
estabelecimento. Mandamos bala:
- Meu prezado, o senhor queria um mandado para dar cabo ao que nos trouxe
aqui. Cumprimos, na íntegra, a sua
ordem. Em vista dela, realizou os exames. Gostaríamos, contudo, de dizer que
aquele papel da doutora Sulamita É FALSO. NÓS O PREENCHEMOS ANTES DE VIRMOS
PARA CÁ. PELO VISTO, FICOU NOS CONFORMES.
Reparamos numa rajada meteórica, que o indivíduo pretendia dizer algo à fúria
incontida que capturamos em seus olhos a soltarem chispas de ódio. A gostosa da
portaria engoliu um “Meu pai, que horror” tossindo, desajeitada, e sujando o
jaleco branco com respingos do copo de café.
Porém, num esforço superior a qualquer tipo de reação, se contiveram e
optaram por olhar um para o outro, como se fosse a prima vez em que trocavam
cumplicidades. Uma máscara sem graça cobriu o focinho de ambos. Creio, se
pudessem, pulariam em nossos costados, com tapas e sopapos.
Imaginamos de repente, se caíssem na real e se insuflassem de razões e
botassem às bocas cheias de dentes num trombone qualquer (nessas horas sempre
surgem, de algum lugar, um desses instrumentos musicais, como a Fênix das
cinzas) sabe-se lá, acionassem a policia e, final das contas, acabássemos
amargando a farsa num desconfortável e solitário xilindró.
Para evitarmos esse possível contratempo, tratamos dar no pé, tirar o
time de campo, antes que os dois resolvessem praticar, efetivamente, as dores
do engano brutal pelo que tiveram que segurar na goela em face do trapaceamento
da fraude.
EX POSITIS, O QUE QUEREMOS DEIXAR CLARO, MEUS AMADOS,
PARA TERMINARMOS NOSSA LINHA DE DIRECIONAMENTO, OU MELHOR, DE ESCLARECIMENTO, É
O SEGUINTE: NESSE PAÍS DE LADRÕES, DE SAFADOS, DE PILANTRAS E PICARETAS, OS
DOUTORES DE BRANCO QUEREM VER GUIAS ASSINADAS E CARIMBADAS. A SOCIEDADE, COMO
UM TODO, É IMPELIDA POR DOCUMENTOS, NÃO IMPORTAM SE FALSOS OU ADULTERADOS.
O SISTEMA É IMPULSIONADO POR FALCATRUAS. OS MÉDICOS, PARTICULARMENTE, SÃO
MELIANTES CREDENCIADOS PELO CRM (CONSELHO REGIONAL DE MALANDROS), PARA, MÃOS
ARMADAS, ESTETOSCÓPIOS E APARELHOS DE AUFERIMENTOS DE PRESSÃO EM PUNHO,
ROUBAREM NOSSAS ECONOMIAS, NOSSOS MINGUADOS REAIS, E ACREDITEM NA MAIOR CARA DE
PAU. O RESTO, KIKIKIKIKIKI... O RESTO, SENHORAS E SENHORES, QUE SE
FODAAAAAA!...
Feliz ano novo a todos. Saúde, Graça e PAZ!
AVISO AOS NAVEGANTES:
SE O FACEBOOK, PARA LER E PENSAR, CÃO QUE FUMA OU OUTRO SITE QUE REPUBLICA
MEUS TEXTOS, POR QUALQUER MOTIVO QUE SEJA VIEREM A SER RETIRADOS DO AR, OU MEUS
ESCRITOS APAGADOS E CENSURADOS, PELAS REDES SOCIAIS, O PRESENTE ARTIGO SERÁ
PANFLETADO E DISTRIBUIDO NAS SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUI-LO EM MEU PRÓXIMO LIVRO
“LINHAS MALDITAS” VOLUME 3.
Título, Imagens e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista, Vila Velha, Espírito Santo, 31-12-2016
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