Henrique Pereira dos Santos
Na semana passada Luis
Aguiar-Conraria, no Observador, usou uma expressão semelhante à que hoje usou
João Miguel Tavares no seu artigo do Público "Embora a herança salazarista
tenha sido trágica na Educação".
Esta expressão é
historicamente muito pouco rigorosa, seria muito mais rigoroso dizer
"Embora a herança pombalina tenha sido trágica na Educação".
Vejamos.
Pouco antes do salazarismo a
taxa de escolarização no país é de cerca de 15% e a taxa de analfabetismo
estava acima dos 60%, quando o Estado Novo acabou a taxa de escolarização
estava nos 85% (penso que medida pela número dos que completavam o ensino
básico, visto que a frequência escolar e a alfabetização das crianças em idade
escolar era de 100% desde o início dos anos 60) e a taxa de analfabetismo
estava nos 25%, o que deve ser lido tendo em atenção que quem tinha 15 anos em
1930 sem nunca ter ido à escola, tinha uma boa probabilidade de estar vivo em
1974, continuando analfabeto. E é bom não esquecer que os mais novos e
escolarizados tinham, em grande parte, emigrado.
Ou seja, o Estado Novo fez a
escolarização de facto do país, coisa que o país tinha feito há 150 anos, no
papel, sem nunca a ter levado à prática. Os resultados da primeira república
nesta matéria são arrepiantes, provavelmente pela mesma razão que explica os
resultados de Pombal: a perseguição ao ensino de base confessional.
Só nos anos 30 do século XX é
que o número de alunos no país voltou ao que era antes da expulsão dos Jesuítas
por Pombal, decisão que fez diminuir o número de alunos nas escolas de Portugal
em qualquer coisa como 90%, para além de ter diminuído acentuadamente a
qualidade do ensino pela diminuição brutal da qualidade dos professores (ver
Francisco Romeiras e Henrique Leitão, para estes números).
Sendo verdade que o Estado
Novo se focou essencialmente no ensino básico, sendo verdade que provavelmente
poderia ter feito um esforço maior na qualificação dos portugueses, sendo
verdade que a qualificação dos portugueses estava longe de ser uma prioridade
de Salazar – o que é diferente de dizer que a sua alfabetização não era uma
prioridade do regime – a verdade é que a base de partida é muito, muito má e o
regime a melhorou substancialmente.
É, por isso, muito impreciso
dizer que a herança do salazarismo tenha sido trágica na educação. A herança é
má, mas muito melhor que a herança que o salazarismo recebeu. Se assim não
fosse, aliás, não teria sido possível a rápida democratização do ensino pós 25
de Abril porque na educação as coisas não mudam instantaneamente: a base dessa
democratização é feita pelo Estado Novo, quer no enquadramento institucional,
quer no investimento em instalações, quer na formação de professores, quer na
criação de uma base social alfabetizada e valorizadora da educação dos filhos.
Insistir na tecla da pesada
herança fascista, também na educação, apenas serve para nos distrairmos da
discussão essencial: como é possível que continuemos a branquear as decisões
tragicamente erradas de Pombal e da primeira república nessa matéria quando os
seus resultados são o que são, sendo, esses sim, trágicos e miseráveis?
Aparentemente, continuamos a
valorizar muito mais o que escrevemos na legislação sobre a escola que o que se
passa realmente nas escolas.
Nada disto constitui qualquer
elogio ao Estado Novo: não só os resultados económicos e sociais de um regime
são irrelevantes para avaliar a sua legitimidade – e o Estado Novo era um
regime ilegítimo por ser uma ditadura – como reconhecer a realidade nunca é, ou
deixa de ser, um elogio, é apenas um módico de racionalidade para que possamos
fazer melhores escolhas em cada momento, aprendendo com o passado.
Com o passado que existiu, não com o passado que vamos inventando para justificar as nossas opções
e fracassos do presente.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas,
27-12-2016
Marcação: JP
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-