J. Ventura Leite
Amigas e amigos:
Não apenas nos últimos dias,
mas recentemente e a cada dia que passa me é mais penoso escrever e ler aqui no
facebook aquilo que me parece não só evidente como algo que indicia um rumo
potencialmente muito mau para todos. E o que é isso? ESTAMOS CADA DIA MAIS
DIVIDIDOS!
Estarão maioritariamente de
acordo comigo sobre a “obviedade” desta frase, mas não estaremos seguramente em
sintonia sobre as causas desta crescente divisão social.
Como se pode constatar, essa divisão
não é sobretudo ideológica e partidária. A esquerda e a direita só
marginalmente explicam essa divisão crescente. Em Inglaterra, pessoas da
esquerda e direita estiveram simultaneamente a favor e contra o Brexit. Nos EUA
, anteriores eleitores de Barack Obama estiveram do lado de Donald Trump. Esta
realidade avança a passos largos, à medida que cada vez mais pessoas chegam à
conclusão de que os políticos e instituições responsáveis pela situação atual
não serão capazes de corrigi-la e melhorar as perspectivas de futuro das
pessoas.
Qual é, então, a possível
explicação para esta crescente divisão? Na minha avaliação, a explicação é… o
MEDO!
O medo é uma arma dos
poderosos para conseguirem determinadas reações e comportamentos de todos nós!
Mas o medo é também uma reação
que nos invade autonomamente quando em vez de deixarmos andar as coisas
começamos a raciocinar, e as coisas nos parecerem levar um rumo negativo em
termos próximos e de futuro.
A larga maioria de nós é
generosa quando de barriga cheia. É compreensível e tolerante quando os
problemas estão longe da sua casa, do seu posto de trabalho e do seu bairro.
Somos magnânimos e clementes
para com criminosos quando não somos nós nem os nossos familiares ou amigos os afetados.
Por fim, somos politicamente
grandes democratas quando os nossos ganham. No fundo, não muito diferentes da
avaliação que fazemos quando o nosso clube ganha ou perde. Quando ganha somos
compreensivos com os árbitros. Quando perdemos já não é bem assim!
Depois de décadas de um modelo
de crescimento que trouxe melhorias para a maioria, mesmo que com uma
desigualdade crescente na distribuição da riqueza produzida, fomos, no mínimo, tolerantes
quando não complacentes com as elites políticas e económicas.
Fomos generosos com uma emigração
descontrolada e uma islamização sub-reptícia que ninguém valorizou. Não se
vislumbravam problemas que não pudessem ser resolvidos, enquanto os avanços
tecnológicos deslumbravam e ofereciam um horizonte luminoso em termos de
futuro.
Quem, neste entretanto, quis
alertar para um mundo real diferente e para riscos sérios de um futuro
problemático foi visto por todos, desde políticos aos cidadãos relaxados,
passando por analistas e jornalistas, como pessoas ressentidas com o sistema ou
pessimistas militantes ou doentios.
E quando as coisas começam a
não ser aceites tal como lhes são vendidas pelos políticos e meios de
comunicação social, ou seja, quando muita gente começa a raciocinar em vez de
apenas comprar, as dúvidas saltam. E quando as dúvidas ficam sem resposta, ou
têm respostas de circunstância, então as pessoas começam finalmente a reagir. E
reagem com medo, justamente porque perdem progressivamente confiança naqueles
que supostamente deveriam encontrar as soluções para os problemas e desafios.
Por estas razões nunca a
confiança nos políticos e nos meios de comunicação social foi tão baixa nas
últimas décadas.
Mas neste quadro crescente de
desencanto e desconfiança há duas respostas diferentes:
Temos as pessoas que agem,
mesmo que de forma diferente do passado, e as pessoas que reagem de forma
emocional e pouco ou nada racional.
No primeiro caso temos como
consequência resultados eleitorais surpreendentes, e no segundo caso só medo, o
que leva a irracionalidade e histeria.
Recentemente, o Brexit ou a eleição
de Donald Trump foram exemplos de uma população que respondeu de forma racional
aos seus anseios, às suas desconfianças e medos.
No entanto, a eleição de
Donald Trump gerou uma reação nos EUA e pela Europa que mostra uma população
igualmente com medo… dessa eleição.
Medo de um futuro onde
percebem finalmente que trará mudanças e com elas a perda daquilo que tinham
dado por adquirido.
Em suma, é o medo que hoje
comanda as atitudes dos que fazem novas escolhas políticas e daqueles que
depois reagem a essas escolhas políticas.
O que me desconsola nesta
altura não é apenas esta divisão, que se acentua, mas a irracionalidade e
histeria que toma uma parte da população.
Preocupa-me que pessoas, que
considero diferenciadas, não entendam que não é o Brexit, Donald Trump, Marine
Le Pen, ou os novos partidos nacionalistas que dividem as pessoas, mas o facto
de que as raízes da divisão terem crescido em silêncio com a complacência ou
até cumplicidade de muita gente entre os políticos e meios de comunicação social.
Choca-me que muita gente hoje
chame fascista a Donald Trump por razões que em Obama não provocaram nenhuma
reação nem manifestação! Ou seja, dois pesos e duas medidas!
Que chamem islamofóbico a
Trump e finjam não perceber a simpatia clara de Barack Obama pelo islamismo,
mas sobretudo a tolerância face ao islamismo radical! Que finjam não perceber,
ou não compreender, que Barack Obama se preocupava mais com o presidente sírio
do que com o Estado Islâmico!
Que temam o fim do mundo por
causa de Trump quando Obama é um dos principais responsáveis pela situação
crítica que se vive no Médio Oriente e causou o êxodo de refugiados da Síria e
a crise atual na Europa.
Que aceitem o tradicional
discurso do medo em relação à Rússia, e agora a Putin, numa altura em que não
vivemos nada parecido com a realidade da segunda grande guerra ou da Guerra
Fria, e enquanto esquecem a ameaça do islamismo radical.
Sim, amigas e amigos, estamos
hoje cada vez mais divididos. Mas as razões da nossa divisão são o medo perante
a realidade que cresceu debaixo do nosso nariz, mas que comodamente ignorámos!
E em vez de usarmos a razão e
a inteligência deixamo-nos conduzir pela emoção e pânico.
Quando temos um pesadelo
durante o sono, o de estarmos sob uma ameaça física à nossa vida, e temos uma
arma à nossa disposição, duas situações ocorrem com frequência. Numa delas
quando premimos o gatilho a arma não dispara. Noutra situação a arma dispara
mas fazemo-lo em pânico e à toa.
Estamos divididos entre os que
têm medo do atual presente e falta de perspectivas futuras, querendo por isso
uma mudança de rumo no caminho seguido nas últimas décadas, e os que têm medo
de perder privilégios da situação presente que julgam sustentável, e não são
capazes de entender quem são os responsáveis e entender o que tem que mudar se
quisermos sobreviver.
Eu estou do lado dos que têm
medo do rumo seguido nas últimas décadas e quero fazer o que estiver ao meu
alcance (no tempo que me restar e nas capacidades que me sobrarem) para travar
ou alterar esse rumo, ajudar a mudar o que tiver que mudar, correr com os
políticos que tiverem que ser corridos, defender o património histórico,
cultural, sentimental, familiar, que me une ou liga a pessoas de vários
trajetos pessoais, culturais, religiosos ou de nacionalidade, que definem a
nossa especificidade e nos trouxeram até aqui, e combater no plano das ideias
os fascismos de hoje: o fascismo cultural do politicamente correto, e o
fascismo religioso materializado no islamismo radical, uma das grandes ameaças
à civilização em que vivemos.
Sim, estamos divididos. Tenho
pena! Mas não valorizo nem procuro amizades ou unidades sem princípio,
fictícias e enganadoras, ou seja, politicamente corretas, apenas para depois
adormecer tranquilo!
Título e Texto: J. Ventura Leite, 31-1-2017
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