Sabemos que Darwin, com sua
teoria da origem e evolução das espécies, chegou à conclusão de que o homem
atual evoluiu a partir de um ancestral, da família dos grandes primatas, mais
especificamente do chimpanzé. Se tal evolução realmente ocorreu devemos admitir
que a inteligência humana surgiu paulatinamente, pois o chimpanzé nada mais era
que um animal com instintos como qualquer outro animal de grande porte.
Pouco sabemos da pré-história
do homo sapiens, a não ser aquilo que os arqueólogos descobrem através dos
fósseis encontrados com idade de milhares de anos e outros vestígios pelo globo
terrestre antes da História com seus registros escritos. O que nos fascina, no
entanto, é o surgimento de um ser-animal inteligente, e como administrava esta
sua ferramenta chamada ‘inteligência’ que o tornou homo sapiens.
É claro, o instinto animal do
homem nos primórdios da civilização ainda era forte, apesar de munido da
inteligência adquirida. O animal-bruto não se orienta pelo discernimento, mas
vale-se do instinto para preservar e persistir na vida; o animal-inteligente,
além do instinto, também pondera como melhor se sair na luta pela
sobrevivência. Portanto, a inteligência é um acessório a mais... Instinto e
inteligência, ambas, caracterizam-se por uma ‘vontade de potência’.
Nos primórdios da civilização,
os homens ainda se portavam como animais brutos guerreando entre si pela
subsistência, na luta por alimentos e afins, obedecendo mais aos instintos do
que à inteligência; o homem ainda estava em formação, ainda não sabia como
utilizar, adequadamente, sua nova arma.
Mas, pouco a pouco, com o
desenvolvimento da inteligência, os instintos animais no homem davam sinais de
enfraquecimento, e este animal inteligente, então, começa a aculturar-se, isto
é, começa a raciocinar causalmente, especula o que há por trás dos fenômenos da
natureza, como prevenir-se dos perigos e ter um convívio tolerável com seus
semelhantes. Dessa forma afasta o temor frente aos fenômenos da natureza,
domina seu instinto selvagem de “guerra contra todos” e estabelece regras de
convívio.
O que lhe dá essa prerrogativa
é sua memória, uma característica da inteligência, que conserva na mente
experiências passadas. Com isso ele teria condições de evitar certas
experiências prejudiciais do passado que lhe causaram dores, dando-lhe
condições de comprometer-se perante à comunidade em que se insere.
Neste sentido, estaria apto a
aceitar certas regras para o convívio social lembrando-se delas toda vez que
aparecesse alguma situação de conflito. Esta memória não foi nada fácil aos
primeiros seres humanos recém-saídos da animalidade pura, e só com muito
treinamento através de sofrimentos e dores a memória fixou-se como elemento
importante para passar de animal-bruto para o animal racional.
Começa, então, o homem a
relacionar-se com seus pares racionalmente; são feitos acordos e promessas
entre si; tenta confiar um no outro, lembrando-se das regras da sociabilidade
para não se guerrearem. Mas, essa confiança só se estabeleceria a duras penas para
tornar o homem confiável. Se alguma promessa ou acordo fosse quebrado, a parte
lesada tinha o direito de aplicar um castigo equivalente ao sofrimento causado.
O credor tornava-se senhor e
superior em poder, tendo o direito de maltratar o infrator lembrando-o assim
das regras do relacionamento social e forçando-o a abandonar o estado de
animal-bruto em que ainda, em certa medida, se encontrava. Não se levava em
conta o culpado em si, mas a reparação de um dano sofrido que seria uma
compensação prazerosa ao causar sofrimento ao culpado. Transparece, assim, a
hegemonia da ‘vontade de potência’ no homem.
A justiça nasce da vontade do
poder, diria Nietzsche. Não foi através do altruísmo que a justiça teve sua
origem, mas na ‘vontade de potência’ vislumbrando o super-homem do futuro que
prescinde da justiça e de valores morais, destinado a ser forte e não
choramingar como um fraco perante os percalços da vida, suplicando por auxílio
aos deuses das religiões.
Assim, a justiça é para os
fracos; os fortes, isto é, os que se situam acima do bem e do mal, não
necessitam dela. É claro, a justiça baseia-se hoje no altruísmo: não fazer mal
ao outro e proteger os fracos. Isto é, a humanidade ainda está no estágio
embrionário de homens fracos enredados nas malhas da moralidade. O reino dos
fortes ainda não chegou.
O homem despertou do instinto
animal bruto para o homo sapiens; é o estágio em que se encontra o homem atual,
regido por valores morais e controlado pela justiça; mas seu destino é
ultrapassar o status quo de homo sapiens e evoluir para uma além-homem em que o
fraco não mais terá lugar. Enquanto houver fracos, a justiça far-se-á presente,
e o Estado fará o papel de distribuidor de justiça...
Quimera ou um futuro distante?
A inteligência artificial, articulada e desenvolvida pelo homem atual, já não
estaria vislumbrando um ente que ultrapassaria a fragilidade humana em seu
aspecto físico e, até certo modo, mental?... Ou: teria sido melhor não ter
surgido a inteligência, in limine, e o instinto animal ainda reinando absoluto
sem consciência de justiça e valores morais, inexistindo, assim, os complexos
problemas a que a humanidade se envolveu através da inteligência? Intrincadas
questões!...
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 25-8-2017
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