Péricles Capanema
Estou de braço quebrado. Pior, o
direito, e sou destro. Já sei, problema meu, ninguém tem nada a ver com isso.
Podem ficar tranquilos, não vou falar de mim só por falar, sirvo apenas de
exemplo, tratarei mesmo é do Brasil, catando milho nas teclas do computador com
a mão esquerda. Eça de Queiroz imaginou a vida de Gonçalo Mendes Ramires como
metáfora de Portugal. Modestamente, “proportione servata”, fiapos disso seguem
abaixo.
Quieto, não sinto dor; se mexo, dói.
Não espanta, a imobilidade deve ser total, advertiu o ortopedista, uns 45 dias
na tipoia, por baixo. Obedeço, fazer o quê, mas é difícil. A cabeça continua
igual, ainda que um tanto desorientada pelo fechamento brusco do leque das
possibilidades. Hoje posso fazer quase nada, um tanto de coisas vai sendo
deixada para trás a toda hora, sei lá se e quando as retomarei. Aflijo-me em
olhar o abismo entre o que quero e o que posso fazer.
A sensação primeira foi de turbilhão,
algo como um beduíno inexperiente envolto por tempestade de areia. Dores,
desorientação, desconhecimento do que vem por aí e terei de enfrentar. Até o
momento, ignoro se será necessário a cirurgia ou se bastará o repouso para a
reconstituição da fratura. Nem sei se o braço terá os movimentos prejudicados.
Como será a fisioterapia? Disseram-me, vai ser necessária, nada mais. Na melhor
hipótese, daqui a poucas semanas tudo volta ao que era. Tentei escrever, saiu
uma garatuja. Perguntei tímido ao médico: — Posso escrever? — Melhor não. —
Paro por aqui, ao contrário de Xavier de Maistre não vou relatar viagem em
torno do meu braço partido. Rezem por mim.
O Brasil parece estar de braço
quebrado. Sua “maior et sanior pars”, a gente que presta, o pessoal mais ativo
e decisivo, sente que, mesmo com os atuais recursos, eliminados obstáculos
artificiais, muita coisa boa pode ser feita já. É preciso que, anos sem fim,
apenas 2,1% dos alunos de famílias pobres tenham aproveitamento escolar
decente? Nenhuma nação terá futuro de relevo com tragédia dessas. Em Hong Kong,
53,1% dos filhos de pobres têm bom desempenho na escola; em Macau, 51,7%; em
Cingapura, 43,4%; no Japão, 40,4%. Sexagésima segunda nossa posição entre os
países, os dados, da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), estão nos jornais dos últimos dias.
Nas últimas semanas também fomos
informados por órgão ligado ao Banco Mundial que no item Leitura (ciências
humanas, digamos), posto o ritmo atual, precisaremos de 260 anos para atingir o
nível dos países desenvolvidos. E no item Matemática (ciências exatas,
digamos), 75 anos. É como estar de braço quebrado. A “sana pars” do Brasil vê
com clareza, pode planejar a saída, mas as instituições a bem dizer tornam
inviáveis quaisquer movimentos nesse sentido. É uma espécie de imobilidade
forçada que não leva à cura.
No Brasil dos anos 60 a “maior et
sanior pars” presenciou desgostada a irrupção nas praças e ruas do padre de
passeata e da freira de minissaia, como os ferreteou Nelson Rodrigues. Hoje
fazem companhia a eles o juiz de passeata e os procuradores de passeata,
horrores impensáveis naqueles já distantes anos, em que a gravidade, a
discrição funcional e o senso do bem comum dos magistrados parecia valor
adquirido na sociedade brasileira.
A espetacularização achincalhante do
Judiciário avança despudorada sob o olhar asqueado da “sana pars” do Brasil.
São trincas em uma das colunas institucionais do Brasil. O que fazer? De certa
maneira, aqui também, de forma temporária, estamos condenados à imobilidade.
A podridão que exala das estatais
(deixo de lado no momento os prejuízos amazônicos, a incompetência e o
descalabro proverbiais), constatada no mensalão, no petrolão e no eletrolão, na
bica, fez com que a privatização avançasse no público. Já não se admite como
possível, muito menos como recurso eleitoral, a ridícula figura de Geraldo
Alckmin vestindo jaqueta com os logos das estatais, herança melancólica da
campanha de 2006. Melhorando, vergonhosa.
O atual é Paulo Guedes, o principal
assessor econômico de Bolsonaro, declarando o que vai a seguir sem acarretar
perda de densidade eleitoral para o candidato:
“O governo é muito grande, bebe muito
combustível. Mas se você olhar para educação, saúde, ele é pequeno. Já que a
democracia vai exigir a descentralização de recursos para Estados e municípios,
o governo federal tem que economizar. Onde? Na dívida.
“Se privatizar tudo, você zera a
dívida, tem muito recurso para saúde e educação. Ah, mas eu não quero
privatizar tudo. Privatiza metade, então. Já baixa metade da dívida. Tem clima
para não privatizar? Onde começou o mensalão, Bradesco ou Correios? Onde se
acusa o Eduardo Cunha? Caixa, loterias, fundos de pensão. Onde foi o petrolão?
Petrobras. Você vê clima para continuar com as estatais?
“O povo brasileiro é contra? Ou será
que são vocês [imprensa]? Eu nunca escutei isso do povo. Eu escutei isso da
Folha, de jornalistas tucanos, petistas. Por que não pode vender o Correio? Por
que não pode vender a Petrobras? E se o mundo for para um negócio de energia solar?
“E o shale gas [gás de xisto]? E se o
petróleo, daqui a 30 anos, estiver valendo US$ 8 [o barril]? Você sentou em
cima de um totem, ficou adorando o Deus do óleo. Por que uma empresa que
assalta o povo brasileiro tem que continuar na mão do Estado?” Aqui a fratura
de décadas, parece, começa a consolidar.
Um monte de fraturas ainda precisa
consolidar. Já estou no fim. Só dois exemplos. O disparate delirante da reforma
agrária. O programa de décadas atira pelo ralo uma dinheirama que não temos,
não aumenta a produção, não ajuda os pobres, é foco de corrupção. Todo mundo
tem receio de tocar nesse tumor de estimação.
Outro tumor, a subserviência e entrega
do Brasil em relação à China comunista, colocando a independência nacional em
risco. Também já completa décadas. Fraturas e tumores, temas atuais para a
campanha presidencial. O que deles pensam os candidatos? Rezem pelo Brasil e
votem bem, cuidado também na escolha de deputados, senadores e governadores,
são coisas boas que podem ser feitas já.
Título, Imagem e Texto: Péricles Capanema, ABIM, 7-3-2018
Título, Imagem e Texto: Péricles Capanema, ABIM, 7-3-2018
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