terça-feira, 25 de agosto de 2020

[Para que servem as borboletas?] A VIDA É DOR, diz o filósofo Schopenhauer. Vocês concordam?

Valdemar Habitzreuter

Em seu livro “O mundo como representação e vontade”, Schopenhauer argumenta que o mundo das coisas não é o mundo real; é antes um mundo de fenômenos, isto é: um mundo ilusório, um mundo de aparências, um mundo de sonhos onde a dor impera.

Mas, por detrás do fenômeno do mundo ilusório existe a realidade una e indivisível: a vontade infinita que é o princípio de tudo; é vontade irracional que a tudo perpassa e move; é a essência de todas as coisas.

Mas, no homem essa vontade entra em conflito consigo mesma, trazendo infelicidade e dor; pois, no homem, ela interage com o mundo ilusório dos fenômenos onde leis necessárias - leis da natureza - determinam o curso da vida; portanto, o homem não está de posse da plena liberdade da vontade; ele, como também um fenômeno entre fenômenos, está sujeito às leis necessárias da Natureza que o fazem sofrer...

Como deve o homem proceder, então, para viver em plena liberdade, entregar-se à plena liberdade da vontade, sem o estorvo do mundo fenomênico de aparências, onde a vontade não tem sossego, buscando incessantemente por satisfações, pulando de galho em galho à procura de sempre novos desejos para realizar e ser feliz?

Há uma dificuldade em tudo isso. Como se disse, o homem, como todas as coisas, também é fenômeno, representação, regido, portanto, pela lei geral dos fenômenos, sendo-lhe a liberdade autêntica negada ou tolhida.

Mas, há uma saída: O homem não existe só como fenômeno, pulsa nele aquela vontade infinita que é a essência de todas as coisas, a coisa-em-si, pura vontade que não se dobra a desejos, embora seja o ato propulsor de todos os fenômenos, e aí incluído o homem. Quando o homem conseguir identificar-se com essa vontade, estará de posse da liberdade plena, livre da necessidade do mundo dos fenômenos ilusórios…

Como coisa-em-si (o númeno filosófico), a vontade infinita não está ligada ao espaço, tempo e causalidade das coisas, e, assim, ela é livre; é irracional e cega, não está enredada com o mundo dos fenômenos, no mundo da causalidade.

Cabe ao homem, pois, descobrir de que maneira identificar-se ou associar-se à vontade infinita, irracional e cega que o liberte da ilusão do mundo dos fenômenos. E é na arte e no ascetismo que pode realizar essa proeza, assimilando a vontade autêntica que o liberta da ilusão do mundo, desvelando-se nele, assim, o véu de maia.

Na arte o que interessa à vontade é a ideia desvinculada do tempo e espaço, em que não há o processo da causalidade, próprio dos fenômenos (o mundo das causas e efeitos). A ideia é a essência universal e genérica de tudo o que existe e é objetivada pela vontade. A arte nesse sentido é contemplação da essência universal, da Ideia absoluta. Mas, cabe ao homem ter a genialidade intuitiva para alcançar a liberdade da vontade, ser “o puro olho do mundo”.

A contemplação estética, pois, aliena o homem das necessidades e desejos mundanos, interrompe a cadeia das necessidades, porque o próprio indivíduo é de certo modo anulado. 

A arte é análoga ao ascetismo; este é luta pela anulação da vontade por desejos vinculados ao mundo ilusório e deixa despontar a pura vontade essencial no homem, sem desejos mundanos; isto é, a vontade de não ter vontade por necessidades; portanto, uma vontade aniquilada que nada mais deseja...

Mas, surge a pergunta: como o homem pode libertar-se da vontade fenomênica se não é livre perante ela, se é escravo dela? Isso só pode acontecer quando a própria vontade alcança a plena consciência de si, o claro conhecimento do seu próprio ser.

A autonegação da vontade no homem é o produto do claro e límpido conhecimento que a vontade tem de si própria. Isso implica de que a vida é dor e de que a vontade de viver é o princípio da dor, porque o mundo fenomênico e transitório não é capaz de dar tranquilidade.

Assim, desejar algo implica a ausência daquilo que desejamos. Portanto, desejo é privação, deficiência, indigência … tudo isso causa dor. A vida consiste no esforço de afastar a dor. Mas, esse esforço se mostra em vão no momento em que se chega ao seu termo. Ainda mais: quando há uma calma de desejos e de paixões caímos no tédio, talvez mais insuportável que a dor.

Então, para Schopenhauer, contrapondo-se à Leibniz, este mundo é o pior dos mundos possíveis. E se fosse um pouco pior, não poderia mais existir. Isto é, se é o pior mundo possível não há como piorar mais - simplesmente não haveria essa possibilidade de se concretizar…

Está aí uma filosofia pessimista da vida... Em tempo de pandemia, nos dá oportunidade a pensar…

P.S. Pode até ser que a vida, em certa medida, é dor e sofrimento, mas quem quer abdicar dela? Não seria a dor que pode dar colorido à vida, sabendo desfrutá-la como impulso a reconhecer também as dores do outro e, assim, suscitar o sentimento do amor? Talvez seja o amor o motivo mais nobre da vida que suplante a dor e o sofrimento, e faça a vida valer à pena...

Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 25-8-2020

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