Sílvia Palácios
A tensão criada entre a cúpula
do Governo Federal e o comando das Forças Armadas, em torno do rumo a ser
tomado pela denominada Comissão da Verdade, não pode ser entendida apenas sob a
visão estreita de que se tratariam dos desdobramentos de um passo necessário
para que o País acerte as contas com a História.
Em realidade, essa insistente
investida dos setores ideológicos radicais, encastelados no Partido dos
Trabalhadores (PT) e agremiações políticas congêneres e em uma pletora de
organizações não-governamentais (ONGs) com a mesma orientação, que chegaram ao
Governo Federal na presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, integra uma
campanha de décadas dos centros de poder anglo-americanos contra as
instituições dos Estados nacionais ibero-americanos, em especial, as suas
Forças Armadas.
Agora, o objetivo imediato é
provocar uma reorientação da política externa brasileira, de forma a
realinhá-la com os EUA e abandonar o processo de uma diplomacia independente em
relação à integração da América do Sul e ao Oriente Médio. É com esse pano de
fundo que vem sendo exacerbado o tema dos direitos humanos, quase às vésperas
da visita da presidente Dilma Rousseff aos EUA.
O mais preocupante é que esse
tipo de acomodação às pressões externas têm determinado uma série de decisões
estratégicas no País, como se viu em diversas oportunidades, nos governos
anteriores, tais como nos casos das delimitações de grandes reservas indígenas
e da draconiana e restritiva política ambiental nacional.
Nesse empenho, se insere a
militância ostensivamente assumida por representantes da mídia, como é o caso
da jornalista Míriam Leitão, das Organizações Globo, notória representante dos
interesses anglo-americanos no País.
É possível que nem a ministra
da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, nem sua colega de
Política para as Mulheres, Eleonora Menicucci, se deem conta desse fato, quando
proclamam as suas diatribes contra as Forças Armadas e insistem em vocalizar as
demandas da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra a Lei da
Anistia, a forma institucional encontrada pelos brasileiros, ao final da década
de 1970, para se reconciliarem os interesses nacionais.
Diplomacia dos direitos humanos
Não obstante, o fato é que os
temas dos direitos humanos, proteção ambiental, questões indigenistas e
fundiárias e "igualdade racial", têm sido intensamente manipulados
pelos centros de poder anglo-americanos, como parte de sua agenda
"globalista" de enfraquecimento das instituições dos Estados nacionais
soberanos, dentro do igualmente utópico conceito de um mundo
"pós-westfaliano", no qual um papel crescente vem sendo atribuído a
entidades como as ONGs, que, supostamente, representariam melhor as demandas
das sociedades.
Na prática, muitas dessas ONGs
funcionam como autênticos elementos de guerra irregular, influenciando a
formulação de políticas públicas e ações governamentais de interesse dos seus
patrocinadores, como governos e fundações privadas estrangeiros, de uma forma
muito mais eficiente do que seria possível com ações militares clássicas - o
que se enquadra no conceito de "guerra de quarta geração", no qual um
Estado se opõe a elementos não-estatais (mesmo que estes estejam a serviço de
outro Estado nacional).
Uma demonstração dessas
pressões externas, que evidenciam o caráter intervencionista de uma diplomacia
"oficiosa", é a ameaça ostensiva do Centro pela Justiça e o Direito
Internacional (CEJIL), de deflagrar uma campanha internacional contra o Brasil,
caso o País não cumpra a decisão da CIDH sobre a Guerrilha do Araguaia. A
conotação da ameaça fica evidenciada na declaração da diretora da ONG, Beatriz
Affonso: "Este ano vão se cumprir dois aos sem avanços substanciais. Não
faz sentido um país que quer entrar para o Conselho de Segurança da ONU se recusar
a avançar na punição dos que, em nome do Estado, cometeram essas violações.
Qual a idoneidade do Estado brasileiro para decidir sobre possíveis
intervenções em outros países? (O Estado de S. Paulo, 26/02/2012)."
Em especial, o conceito de
direitos humanos defendidos por tais grupos e seus promotores internacionais
reflete uma concepção limitada e maniqueísta, que converte esses direitos em um
autêntico fetiche abstrato, em grande medida, desvinculados de um conceito
abrangente de Bem Comum e dos interesses maiores da sociedade. Um exemplo
emblemático da orientação ideológica dos paladinos dos direitos humanos da
Esplanada dos Ministérios foi a deplorável decisão de negar a extradição do
terrorista italiano Cesare Battisti, condenado em seu país por quatro homicídios
qualificados.
Desafortunadamente, a reação
intempestiva da presidente da República, ao determinar ao ministro da Defesa
Celso Amorim uma intervenção contra o manifesto dos clubes militares sobre as
declarações das ministras, chegando a pedir uma punição para um dos seus
organizadores, sugere que a chefe de Estado pode estar deixando as
reminiscências do passado condicionarem a sua atitude frente a uma situação que
exige, acima de tudo, uma visão plena dos interesses do Estado brasileiro, em
um momento crucial de definições na transformação da ordem de poder global em
curso - processo no qual as FFAA tendem a desempenhar um papel fundamental.
De fato, o Brasil é o único
integrante do grupo BRICS cuja capacidade militar é muito inferior às suas
dimensões e potencialidades econômicas, sendo atualmente incapaz de prover uma
capacidade dissuasória mínima contra qualquer eventual agressão externa de
monta. Ademais, é visível o exemplo negativo da vizinha Argentina, onde o
revanchismo político implicou em uma brutal deterioração das condições
operacionais das Forças Armadas, deixando o país em uma humilhante condição de
impotência diante de episódios como as recentes provocações militares do Reino
Unido, em torno da disputa pelas Ilhas Malvinas.
Em vista do quadro de nuvens
carregadas e fortes turbulências que caracteriza o cenário global, em que um
dos componentes críticos é uma retração do poderio militar e econômico
estadunidense - com as reações negativas deste fato dentro das próprias
fileiras do Establishment -, não surpreende que os parceiros brasileiros no
BRICS, especialmente, a Rússia e a China, estejam se preparando para todas as
contingências.
Por tais motivos, o Brasil
precisa, igualmente, estabelecer os seus planos estratégicos, para o que
necessita do entendimento e do empenho de todos os setores da sociedade - e,
portanto, não pode dar-se ao luxo de ensejar dissidências internas causadas por
um grupelho de indivíduos que se comportam como viúvas da Guerra Fria.
Assim sendo, é fundamental que
as cabeças frias prevaleçam, para evitar o aprofundamento de um quadro de
tensões internas, que beneficia apenas os interessados em obstaculizar a
maturidade e a ascensão do País no plano mundial.
Antecedentes
O tema dos direitos humanos
vem sendo instrumentalizado contra o Brasil desde meados da década de 1970, com
o advento do governo de Jimmy Carter, que o utilizou como parte de uma
estratégia para tentar anular o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, o qual via como
séria ameaça à sua agenda de não-proliferação nuclear. Em sua visita ao País,
em março de 1978, Carter provocou grande irritação no governo do presidente
Ernesto Geisel, ao dar uma carona em seu carro ao então cardeal-arcebispo de
São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, de quem recebeu denúncias sobre violações
de direitos humanos pelo regime militar.
Posteriormente, juntamente com
o pastor Jaime Wright, alto dignitário da Igreja Presbiteriana no Brasil (que
proporcionou o suporte financeiro), e o rabino estadunidense Henry Sobel, do
Centro Israelita Paulista, ambos com importantes vínculos políticos nos EUA,
Arns seria o coordenador do projeto que resultou na publicação do livro Brasil:
nunca mais, em 1985. No livro, são listados os nomes de centenas de integrantes
das forças militares e policiais que participaram da repressão às insurgências
armadas no País - muitos deles, potenciais alvos de futuros processos, se
dependesse dos militantes dos direitos humanos encastelados nos porões do
Planalto.
Por detrás do projeto, estava
o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), órgão que, sob a fachada da integração
religiosa, oculta as altas funções que executa como integrante das redes mais
intervencionistas do aparato de inteligência anglo-americano. Criado em 1937, o
CMI teve entre os seus fundadores o britânico lorde Lothian, um dos líderes da
facção pró-Hitler na Grã-Bretanha, e o estadunidense John Foster Dulles,
representante da Igreja Presbiteriana e futuro secretário de Estado no governo
de Dwight Eisenhower, no qual seu irmão Allen foi o diretor-geral da Agência
Central de Inteligência (CIA).
O CMI também esteve bastante
ativo na campanha de desarmamento civil, na qual os seus estrategistas ainda
não digeriram a acachapante derrota sofrida no referendo brasileiro, em agosto
de 2005.
A entidade apoia, igualmente,
as redes ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e seus
apêndices, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), todos empenhados
em campanhas ambientalistas contra grandes projetos de infraestrutura, que têm
custado caro ao País.
Na década de 1990, tais redes
receberam o reforço de duas ativas integrantes do "exército
irregular" de ONGs mobilizadas, em particular, contra as instituições
militares da América do Sul, a Human Rigths Watch/Americas e o CEJIL. A
vinculação de ambas aos centros de poder anglo-americanos é facilmente
constatada com uma consulta aos seus patrocinadores. O sítio do CEJIL, por
exemplo, lista entre eles: a Federação Internacional de Planificação da Família
(IPPF, na sigla em inglês), organização criada pela família Rockefeller para
promover o controle demográfico; a Fundação Nacional para a Democracia (NED),
órgão oficial do governo estadunidense; as fundações MacArthur e Ford; e a
Fundação para a Promoção de uma Sociedade Aberta (FOSI), do megaespeculador
George Soros.
O fundador e presidente do
CEJIL, o advogado chileno José Miguel Vivanco, é um veterano integrante do
aparato supranacional dos direitos humanos, tendo afiado as garras em anos de
militância na Human Rights Watch/Americas.
Em agosto de 1995, as duas
entidades apresentaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), uma petição, denunciando o
Estado brasileiro pelo desaparecimento de combatentes da Guerrilha do Araguaia,
na campanha militar de 1972-1974. Em dezembro de 2010, a CIDH divulgou a sua
sentença, condenando o País e "ordenando" ao Estado uma série de
providências que, cumpridas à risca, implicariam na total subordinação do
sistema judiciário nacional a uma estrutura jurídica supranacional orientada
por conceitos ideológicos totalmente alheios ao ordenamento histórico de nações
soberanas.
Sem surpresa, a decisão da
CIDH foi aplaudida pelos representantes dessa corrente de ação encastelados no
Governo Federal, como o então secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e
o presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão, atual secretário nacional de
Justiça, ambos defendendo a absurda tese de que a legislação supranacional se
sobrepunha à decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a
irrevogabilidade da Lei da Anistia.
Embora, na ocasião, o Governo
Federal tenha reagido à decisão, por intermédio de firmes declarações do então
ministro da Defesa, Nelson Jobim, e, posteriormente, rechaçado de forma ainda
mais contundente a sentença da CIDH contra o projeto da usina hidrelétrica de
Belo Monte, o atual imbróglio se encaixa à perfeição na agenda intervencionista
supranacional que o órgão integra.
Título e Texto: Sílvia
Palácios, Jornalista. Publicado no “Alerta Total”, 10-03-2012
Colaboração: Álvaro Pedreira
de Cerqueira
Edição: JP
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