segunda-feira, 14 de maio de 2012

As pessoas não são todas iguais

João Cândido da Silva
A indignação anda, por aí, à solta. Não precisa de muito para sair da panela de pressão onde o moralismo e o monopólio da sensibilidade social a cozinham. Costuma ser desencadeada por duas razões: por tudo ou por nada.
A indignação anda, por aí, à solta. Não precisa de muito para sair da panela de pressão onde o moralismo e o monopólio da sensibilidade social a cozinham. Costuma ser desencadeada por duas razões: por tudo ou por nada.
O mais recente detonador da fúria, acenada de sobrolho franzido e pose superior, foram as declarações de Pedro Passo Coelho sobre o desemprego e o que a situação pode representar como ocasião para fazer algumas opções de vida importantes. O que disse o primeiro-ministro para suscitar a onda de protestos e acusações que sobre ele se abateu com a inclemência de um trovão?
Simplesmente isto: "Estar desempregado não pode ser um sinal negativo. Despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida."
Os tempos estão difíceis e manter a cabeça fria não é esforço que esteja ao alcance de qualquer um. Sobretudo quando a guerra política se trava na superfície do dia-a-dia e a substância interessa pouco ou nada. As afirmações de Passos Coelho não são insusceptíveis de crítica, mas muitas das que lhes foram dirigidas não fazem grande sentido.
Tropeçar no desemprego é uma experiência dura. É um desafio à autoconfiança e à autoestima. Exige crença e força de vontade para que se consiga evitar um mergulho numa espiral negativa, sem vislumbre de solução e de futuro. Mas cada caso é um caso.
Não será necessário fazer uma busca muito demorada e exigente para se encontrarem situações de pessoas que se despediram, ou que foram despedidas, e que aproveitaram a circunstância para lançarem uma ideia de negócio, criando novos postos de trabalho ou, pelo menos, o seu próprio. Trabalharam e perseveraram. Acabaram por alcançar o sucesso. Se não ficaram ricas, alcançaram o objectivo de encontrar uma fonte de rendimento, terapia eficaz para recuperar dos eventuais traumas de não ter um emprego.
Ficar sem trabalho pode ser, de facto, uma oportunidade para quem a queira procurar. E, neste ponto, as carpideiras podem continuar a fazer aquilo para que têm talento, mas Pedro Passos Coelho tem razão e há experiências concretas que a sustentam. Onde o primeiro-ministro falha é no facto de deixar passar a mensagem de que o empreendedorismo é a receita mágica para resolver o grave problema do desemprego em Portugal. Pode ajudar, mas não chega. Jamais chegará.
Para criar uma empresa, não basta querer. É preciso persuadir financiadores a acreditarem no projecto, tarefa tanto mais espinhosa quando se sabe que dinheiro não é um bem que, nos dias que correm, se encontre por aí à mão de semear. E, no contexto português, há problemas e constrangimentos capazes de assustar o empreendedor mais temerário. A carga fiscal é pesada, a inoperacionalidade da justiça beneficia quem decide não pagar as facturas e o Estado é o primeiro a condenar muitas empresas à asfixia da tesouraria por causa dos seus maus hábitos em matéria de prazos de pagamento. E isto ainda não é tudo.
Para se ser um empreendedor com hipóteses mínimas de sucesso, é essencial dispor-se de um conjunto de características pessoais que vão para além dos simples conhecimentos de gestão ou da experiência na área de actividade em que se vai operar. Acontece que as pessoas não são todas iguais. Umas têm o espírito, o talento e o ânimo necessários para fundar e liderar uma organização, sem desconhecerem, à partida, que a maioria das novas empresas acaba por soçobrar. Outras não têm este perfil e preferem trabalhar por conta de outrem. Pode pretender-se transformar Portugal numa espécie de Coreia do Norte do empreendedorismo. Como receita para a liquidação total de uma taxa de desemprego que já vai nos 15%, não dará resultado.
Título e Texto: João Cândido da Silva, Jornal de Negócios, 14-05-2012

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