João Cândido da Silva
A indignação anda, por aí, à
solta. Não precisa de muito para sair da panela de pressão onde o moralismo e o
monopólio da sensibilidade social a cozinham. Costuma ser desencadeada por duas
razões: por tudo ou por nada.
A indignação anda, por aí, à
solta. Não precisa de muito para sair da panela de pressão onde o moralismo e o
monopólio da sensibilidade social a cozinham. Costuma ser desencadeada por duas
razões: por tudo ou por nada.
O mais recente detonador da
fúria, acenada de sobrolho franzido e pose superior, foram as declarações de
Pedro Passo Coelho sobre o desemprego e o que a situação pode representar como
ocasião para fazer algumas opções de vida importantes. O que disse o
primeiro-ministro para suscitar a onda de protestos e acusações que sobre ele
se abateu com a inclemência de um trovão?
Simplesmente isto: "Estar
desempregado não pode ser um sinal negativo. Despedir-se ou ser despedido não
tem de ser um estigma. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de
vida."
Os tempos estão difíceis e
manter a cabeça fria não é esforço que esteja ao alcance de qualquer um.
Sobretudo quando a guerra política se trava na superfície do dia-a-dia e a
substância interessa pouco ou nada. As afirmações de Passos Coelho não são
insusceptíveis de crítica, mas muitas das que lhes foram dirigidas não fazem
grande sentido.
Tropeçar no desemprego é uma
experiência dura. É um desafio à autoconfiança e à autoestima. Exige crença e
força de vontade para que se consiga evitar um mergulho numa espiral negativa,
sem vislumbre de solução e de futuro. Mas cada caso é um caso.
Não será necessário fazer uma
busca muito demorada e exigente para se encontrarem situações de pessoas que se
despediram, ou que foram despedidas, e que aproveitaram a circunstância para lançarem
uma ideia de negócio, criando novos postos de trabalho ou, pelo menos, o seu
próprio. Trabalharam e perseveraram. Acabaram por alcançar o sucesso. Se não
ficaram ricas, alcançaram o objectivo de encontrar uma fonte de rendimento,
terapia eficaz para recuperar dos eventuais traumas de não ter um emprego.
Ficar sem trabalho pode ser,
de facto, uma oportunidade para quem a queira procurar. E, neste ponto, as
carpideiras podem continuar a fazer aquilo para que têm talento, mas Pedro
Passos Coelho tem razão e há experiências concretas que a sustentam. Onde o primeiro-ministro
falha é no facto de deixar passar a mensagem de que o empreendedorismo é a
receita mágica para resolver o grave problema do desemprego em Portugal. Pode
ajudar, mas não chega. Jamais chegará.
Para criar uma empresa, não
basta querer. É preciso persuadir financiadores a acreditarem no projecto,
tarefa tanto mais espinhosa quando se sabe que dinheiro não é um bem que, nos
dias que correm, se encontre por aí à mão de semear. E, no contexto português,
há problemas e constrangimentos capazes de assustar o empreendedor mais
temerário. A carga fiscal é pesada, a inoperacionalidade da justiça beneficia
quem decide não pagar as facturas e o Estado é o primeiro a condenar muitas
empresas à asfixia da tesouraria por causa dos seus maus hábitos em matéria de
prazos de pagamento. E isto ainda não é tudo.
Para se ser um empreendedor
com hipóteses mínimas de sucesso, é essencial dispor-se de um conjunto de
características pessoais que vão para além dos simples conhecimentos de gestão
ou da experiência na área de actividade em que se vai operar. Acontece que as
pessoas não são todas iguais. Umas têm o espírito, o talento e o ânimo
necessários para fundar e liderar uma organização, sem desconhecerem, à
partida, que a maioria das novas empresas acaba por soçobrar. Outras não têm
este perfil e preferem trabalhar por conta de outrem. Pode pretender-se
transformar Portugal numa espécie de Coreia do Norte do empreendedorismo. Como
receita para a liquidação total de uma taxa de desemprego que já vai nos 15%,
não dará resultado.
Título e Texto: João Cândido da Silva, Jornal de Negócios, 14-05-2012
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