Katia Abreu
A CRISE financeira de 2008,
cujos efeitos ainda abalam os mercados – e se desdobram na presente crise
europeia –, não foi, como muitos sustentam, um sinal de esgotamento do
capitalismo.
Ou, na síntese reducionista,
"o muro de Berlim da direita".
O que fracassou não foi o
capitalismo, mas o uso inadequado de suas regras mais elementares. A causa
direta da crise foi a concessão, deliberada e irresponsável, de empréstimos
hipotecários a credores sem meios de pagá-los, sobretudo com a alta dos juros.
Como se não bastasse, os
agentes financeiros, para contornar o desastre, recorreram a novos artifícios
desonestos, que apelidaram de "inovações financeiras", com o objetivo
de alavancar suas operações sem ter de reservar os coeficientes de capital
requeridos pelo Acordo da Basileia, cujo propósito era exatamente evitar o que
se deu.
Esse princípio se baseia na
ideia de que a busca da riqueza não é problema e, sim, a ganância para
conquistá-la a qualquer preço.
Os bancos norte-americanos
chegaram ao limite. E, para piorar o que já não era bom, decidiram securitizar
os títulos podres, contra toda a ortodoxia econômica, servindo-se da
cumplicidade das agências de risco, interessadas em agradar a seus clientes.
Trapaça pura.
A crise financeira norte-americana
espalhou-se como metástase pelo mundo. Um de seus efeitos mais claros foi expor
a fragilidade da economia europeia, também marcada por transgressões a
fundamentos básicos da economia.
A crise europeia decorre da
fragilidade fiscal de países como Grécia, Portugal e Itália, cujos governos
gastam mais do que arrecadam. Os investidores já preveem um "default"
de seus títulos de dívida.
Na base de toda essa confusão
não está uma demonstração de inviabilidade do capitalismo.
Ele foi conspurcado, violado
em seus princípios.
E a saída tem sido
problemática devido a outro fator básico, que extrapola a ciência econômica,
mas que sobre ela e toda atividade humana exerce influência vital: a quebra de
confiança. Sem ela, nenhum sistema se sustenta.
Credibilidade e confiança são
valores que decorrem do culto às virtudes, algo que se perdeu numa sociedade
que confunde Estado laico com Estado ateu – ou, pior ainda, antirreligioso.
De há muito, a perda do
paradigma espiritual tornou o homem ocidental alheio aos mais elementares
padrões éticos.
A relativização dos valores
levou-o a uma visão materialista e hedonista da existência, estabelecendo
comportamentos viciados, condutas desleais e irresponsáveis, quando não
simplesmente criminosas.
Dostoiévski tem a síntese
perfeita, quando, por meio de Ivan Karamazov, diz: "Se Deus não existe,
tudo é permitido".
É o que se tem visto: Deus foi
retirado da história.
Europa e Estados Unidos são
civilizações erguidas sob os valores do cristianismo, que moldou suas
legislações e tradições. Hoje, esses valores são renegados, sob o argumento do
laicismo do Estado, que de modo algum é incompatível com os valores espirituais.
A ausência de qualquer
referência às raízes cristãs da Europa no preâmbulo da Constituição da União
Europeia confirma a perda da referência espiritual de uma civilização cujos
momentos de esplendor se vislumbram, ainda hoje, nas majestosas igrejas e catedrais
góticas que fascinam turistas de todo o mundo.
Ética sem espiritualidade, sem
a noção de um porvir em que todos serão julgados pelos seus feitos, não passa
de uma fachada.
Nesse ambiente, a política,
que a Grécia antiga considerava uma virtude, foi a primeira a se desmoralizar.
A economia veio em seguida. O que mais falta?
Será que o Brasil não está
seguindo essa agenda laica e antirreligiosa, pautando suas políticas pelos
mesmos paradigmas que alimentam a presente crise?
Desatento a isso, não chegará
assim a lugar melhor.
Título e Texto: Kátia Abreu, senadora (PSD-TO)
e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Folha
de São Paulo, 28-04-2012
Não só o Brasil está seguindo essa agenda "laica" e antirreligiosa, como tal agenda ainda não chegou ao seu ápice. Por enquanto, não há perspectiva de mudança.
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